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Livres para continuar a lutar pela liberdade dos que continuarão sem a ter

As crianças estão a crescer num tempo diferente, um tempo de afastamento (...)

Tantos textos, tantos, discursos, tantas opiniões, tanto medo. Sim, a grande maioria tem medo. Medo da doença, da morte, da pobreza, da solidão, de uma nova existência, até mesmo do fim de uma era, ou do fim da humanidade. Ter medo é natural, enfrentá-lo é uma questão pessoal. Mais ou menos conscientes, andamos a tentar encontrar um equilíbrio para suportar o desequilíbrio instalado.

Uns esforçam-se no combate, definem estratégias, centram-se nas soluções, para já muito pouco consistentes e voláteis. Ainda é a COVID que comanda. Como em qualquer experiência, de hipótese em hipótese, o caminho é testar. O processo é ainda de validação.

Outros desvalorizam e desqualificam as estratégias de combate, olham os factos através de outros paradigmas e contestam o modelo. Seguem outros caminhos, as crenças e ideais. Organizam-se em subgrupos, partilham as suas ideias, e de hipótese em hipótese procuram explicações e desenham soluções.

Entretanto a vida continua, num cruzamento constante entre realidades, o passado e o presente. A vida que costumávamos ter e esta que nos foi imposta.

Constrangimentos e mais constrangimentos que provocam, zanga, cansaço, revolta, e, mesmo que a causa tenha um nome, há alvos que não são fáceis de atingir. Atirar ao lado é a possibilidade e muitas vezes a necessidade de expulsão emocional desta vida de dúvidas e tensões.

Uns são obrigados a agir, outros têm a possibilidade de se exprimir. Tem que haver respeito de ambas as partes e às vezes um desconto dos excessos e exageros. Afinal o vírus ainda anda por aí.

As crianças estão a crescer num tempo diferente, um tempo de afastamento, um colo sem toque, um mimo sem face. Brincar diferente por obrigação, não por imaginação. A criatividade está limitada, e assim fica muito mais difícil aprender a escola e aprender a vida.

Os adolescentes andam tristes, amarrados, inibidos no seu potencial de conquista e sedução. Os riscos já não são riscos, comparados com o peso da responsabilidade de enfrentarem o momento. Se falharem são acusados. Se alguma coisa correr mal sofrem duplamente. Viver em contranatura só é suportável porque o mundo digital existe, e, apesar de todas as questões que até agora se levantavam, hoje é a sobrevivência.

Os mais velhos, na faixa de alto risco, estão confinados. Obrigados a parar e a rever conceitos. Mais do que a questão da vida e da morte, do tempo e da inevitabilidade é o conceito de afastamento social e de solidão que os isola no pensamento. Também aqui o mundo digital trouxe vantagem, mas o cansaço das barreiras que possibilitam um olhar sem aconchego de pele pesa em toda a ternura familiar.

Há um esforço coletivo, uma vontade de prosseguir, uma crença realista de que em breve vamos reiniciar, voltar a ser livres para podermos continuar a lutar pela liberdade dos que continuarão sem a ter. Talvez mais fortes, mais solidários, mais tranquilos com as crianças, e mais condescendentes com os adolescentes. Mais próximos dos mais velhos. Talvez, mais um bocadinho de tudo.

Até lá, estamos, sentindo que não é assim que queremos estar.

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