Regressar à essência de uma “humanidade partilhada” (II)
Uma comunidade compassiva no final da vida permite que nos últimos tempos do doente, sua família e cuidadores sejam mais resilientes, menos exaustos e possam proporcionar mais qualidade de vida ao seu familiar no domicílio, com o auxílio da comunidade e o apoio dos Cuidados Paliativos. Assim, é possível cuidar no domicílio até ao final da vida com qualidade. É importante constituir uma rede de cuidados que possa dar suporte ao doente e à sua família, quer através de cuidados directos ao doente, como alimentá-lo, por exemplo, ou cuidados indirectos, que permitem o descanso ou desocupação momentânea de seus cuidadores.
Algumas tarefas que ilustram o tipo de acção da comunidade são: passar algum tempo com o doente, lendo um livro ou conversando, tocando música, jardinar, ir passear o animal de estimação, fazer as compras, fazer o acompanhamento às consultas, entre outros. A ideia é criar uma rede de suporte externa que apoie a rede de elementos que prestam cuidados directos ao mesmo, sendo estes últimos frequentemente a família que vive com o doente.
Seria interessante perguntar a Darwin se ao animal Homem basta ser o mais bem-adaptado ao ambiente, ou se podemos acrescentar uma variável à sua teoria: a compaixão presente na comunidade. A hipótese que se coloca, é que sobrevive mais (e melhor) a pessoa integrada na comunidade com mais compaixão. Porque a motivação que está na base das Comunidades Compassivas é a compaixão. Sobre este atributo interessa ler a Carta da Compaixão, impulsionada por Karen Armstrong, vencedora de TED Prize 2008.2,3 Transcendendo as fronteiras políticas, dogmáticas, religiosas, ideológicas, e baseada na nossa interdependência enquanto humanos, a compaixão é essencial para as relações humanas, chamando-nos a tratar dos outros como queríamos que nos tratassem a nós. É a força motriz para trabalharmos incansavelmente para aliviar o sofrimento do outro, de sair do centro do nosso mundo e colocar o outro nesse lugar, e tratar todos os seres humanos com justiça, equidade e respeito. Inspiradas na Carta da Compaixão, as Comunidades Compassivas podem abordar outras problemáticas para além da saúde, conforme as necessidades particulares de cada comunidade, que sejam por ela reconhecidas como causadoras de sofrimento.
A Associação Borba Contigo Cidade Compassiva (ABCCC) é uma organização sem fins lucrativos, composta por cidadãos borbenses e por uma médica da USF Quinta da Prata e da ECSCP Ametista – pólo de Estremoz. O seu caminho tem sido feito inicialmente através da sensibilização da população sobre a necessidade de cuidar em fim de vida, trabalhando as concepções de morte e do morrer, para que deixe de ser um tema tabu. Têm sido criadas iniciativas que promovem a reflexão sobre este aspecto da vida, como sendo um processo normal, e expectável para todos os seres humanos, desmistificando a ideia de que seja apenas da esfera médica. Trabalhar estes aspectos conduz as pessoas a enquadrar a sua motivação e preparação para prestar cuidados, atenção e tempo às pessoas nestas situações. A fase seguinte será a capacitação dos cuidadores. Por fim, será feita a criação de redes de cuidados entre todos os sectores da sociedade, para assim garantir o cuidado integral da pessoa com doença grave avançada ou mesmo no final da vida.
É com muito entusiasmo que vemos crescer a ABCCC, contribuindo para impulsionar Borba a regressar à essência de uma “humanidade partilhada”.
Sílvia Corrales Villar
e Rita Eusébio Freitas
Médicas de Medicina Geral e Familiar