Crónicas

O bom, o mau e o merceeiro

Outra vez a eutanásia. Primeiro imortalizada em lei, agora questionada em referendo. Pelo menos, um pedido de referendo. Com esse objetivo, 60 mil pessoas pediram à Assembleia da República que colocasse aos portugueses a possibilidade (ou não) da legalização da morte a pedido. Sobre a eutanásia, as dúvidas suplantam as certezas. Sobre a possibilidade do referendo, é difícil de acreditar que alguém o recuse. De forma surpreendente, é da esquerda popular, que tantas vezes se arroga de porta-voz do povo, que vem a principal recusa. Dizem-nos que referendar direitos de todos é pôr esses direitos nas mãos de alguns. O argumento é curioso. Não aceitam o referendo, mas decidir na Assembleia, colocando os direitos nas mãos de 230 deputados, não causa qualquer indignação. Afinal, quem é que tem medo do povo?

O bom: Rui Rio

Rui Rio voltou a ser o que o país lhe pede que seja. Líder da oposição. Confirmou o chumbo do próximo Orçamento de Estado. Disse, de forma clara, que este não teria sido o seu orçamento, que teria outras prioridades e tomaria medidas alternativas. Redução da carga fiscal às empresas, alívio dos impostos à classe média e apoio à exportação. Ao líder do maior partido da oposição, não se pode reclamar que chumbe todos os orçamentos do governo. Seria politicamente redutor. Mas exige-se que apresente sempre alternativa. Se não o fizer, então perdeu o sentido da missão que os eleitores lhe confiaram. A decisão de Rio implica, também, uma pressão acrescida sobre António Costa e sobre os partidos à esquerda do PS. Agora, não há qualquer dúvida que este orçamento tem de ser aprovado à esquerda. Costa assumiu-o quando afirmou que o seu governo nunca dependeria do PSD. Esqueceu-se foi de dizer que a responsabilidade por essa crise era sua e dos partidos que escolheu como parceiros. Não é o PSD que chumba o orçamento, é o PS que não o consegue aprovar. Resta saber se (este) Rui Rio veio para ficar, e não se volta a perder pelos caminhos tortuosos de tentar ser muleta de António Costa. O país, e o partido, não lhe perdoaria essa desilusão.

O mau: Stayaway Covid

E tudo a aplicação levou. A atenção mediática, a noção do ridículo do Governo e o nosso amor à privacidade. Levou tudo, menos o vírus. Apesar do recuo de última hora do primeiro-ministro, ficou no ar o que a aplicação Stayway Covid podia ter sido, o que teria permitido e, mais preocupante, a facilidade com que a aceitámos. Em troca de quê? De forma simples, o funcionamento da aplicação depende da informação dos utilizadores infetados, a qual é feita através de um código único. Quanto mais códigos inseridos, mais eficaz será a aplicação. Entre o dia em que a aplicação ficou disponível e o mês de Outubro, Portugal registou cerca de 23 mil casos da COVID-19. Nesse mesmo período, foram inseridos 113 códigos na aplicação, ou seja, 113 pessoas infetadas confirmaram o seu estado. 113 pessoas em 23 mil. Ridículo é pouco. Ainda assim, aceitámos sacrificar a nossa liberdade individual no altar da segurança. Pior. Vimos nisso a decisão mais acertada, razoável, um mal menor. Afinal, a entrega não é novidade, já o fazemos nas redes sociais, nos telemóveis, nas outras aplicações. E para que a distopia fique completa, normalizámos a fiscalização policial do novo fascismo epidemiológico. Uma vez mais, a realidade suplanta a ficção. Esquecemo-nos que o que entregamos ao Estado, o Estado poucas vezes devolve. Esse caminho é um beco escuro pelo qual a História já nos levou demasiadas vezes. Tantas vezes quantas insistimos em lá voltar. É óbvio que não se prepara um assalto generalizado aos direitos dos cidadãos, mas as liberdades raramente são perdidas de uma só vez. Ainda não temos uma PIDE, mas já temos uma DGS.

O merceeiro: António Costa e o Orçamento

O Orçamento é do Estado. Literalmente, do Estado, porque lhe pertence. É, cada vez menos, dos contribuintes e está, ainda menos, ao seu serviço. O Orçamento deixou de ser de todos. É de quem manda e, por agora, quem manda no país é o PS e os partidos à sua esquerda. Por isso, se o Orçamento fosse uma mercearia, António Costa seria o merceeiro. Porque o primeiro-ministro faz contas dessa medida. Mais dinheiro para o sonho da TAP nacionalizada do que para o reforço do Serviço Nacional de Saúde. Falta de informação essencial e muita informação contraditória, queixam-se os técnicos da Assembleia da República. A burla que permite que o Orçamento não tenha dinheiro para o Novo Banco, mas que esse valor continue a sair dos cofres do Estado. E a ousadia de atribuir à Madeira menos 155 milhões de euros que aos Açores. Curiosamente, em ano de eleições regionais açorianas. Por cá, os socialistas autóctones não arriscaram uma única crítica. Em compensação, apressaram-se a culpar Passos Coelho pela façanha. Não admira que ainda não o tenham perdoado, por ter recuperado Portugal da bancarrota em que encontrou o país. No entanto, por justiça histórica, sugiro que se atribua a culpa pela reduzida verba do Orçamento de 2021 a João Gonçalves Zarco. Em boa verdade, se a Madeira não tivesse sido descoberta, nem seria necessária a Lei de Finanças Regionais.

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