Portugal pode ter papel central na definição da política da UE para África
A presidência portuguesa da União Europeia pode ter um papel central na definição da política europeia para África, dadas as relações históricas e influência, mas também o "surpreendente" pouco interesse dos outros Estados-membros, defendem especialistas.
A posição consta do relatório "Presidência de crise: Como a liderança portuguesa pode guiar a UE na era pós-covid", do 'think tank' independente Conselho Europeu para as Relações Externas (ECFR), a que a Lusa teve acesso.
Portugal, que na sua anterior presidência europeia, em 2007, organizou a I Cimeira UE-África, volta a assumir a presidência em 2021, embora num quadro institucional europeu diferente, instituído pelo Tratado de Lisboa, que diminuiu a influência dos Estados-membros nas relações externas.
"No entanto, as relações históricas e a influência cultural e política direta dos países da UE ainda continuam a fazer a diferença neste domínio. É o caso de Portugal em África - um continente pelo qual os outros Estados-Membros mostram surpreendentemente pouco interesse", argumenta o documento.
As autoras do relatório citam um estudo do ECFR, realizado através de entrevistas a 800 governantes, investigadores e jornalistas dos 27 Estados-membros, segundo o qual Portugal "é o único país da UE a incluir a política de África entre as cinco principais prioridades da União para os próximos anos".
Em contraste, apontam, "no seu conjunto, a UE 27 colocou a política para a África em 17.º lugar entre as 20 áreas potencialmente prioritárias".
"Como tal, a importância que Portugal atribui a África pode contribuir para que o país assuma um papel central na definição da política da UE para com aquele continente", defendem.
Esse papel pode assentar na "obtenção de apoio para as suas posições políticas" da parte de outros Estados-Membros da UE que têm algum interesse em África e "daqueles que ainda não detém fortes preferências naquela área regional", mas também na organização da VI Cimeira entre a UE e a União Africana (UA), prevista para 2020, mas adiada devido às limitações que a pandemia de covid-19 impôs.
O relatório aponta que Portugal "está em sintonia" com a proposta da Comissão Europeia, apresentada em março, para uma nova relação estratégica com África, que "recomenda uma relação mais forte e equilibrada entre as partes, inclusive através da cooperação em áreas-chave como a transição verde, a transformação digital, o crescimento e emprego sustentável, a paz e a governança e a migração e mobilidade".
Mas, se for Portugal a organizar a Cimeira, pode produzir-se uma "viragem inesperada", dado que "o governo português defende [também] que qualquer estratégia europeia abrangente para África deve ter em conta as abordagens e os interesses individuais dos Estados-Membros naquele continente".
Essa posição é apoiada por "entre um quarto e um terço" dos inquiridos no referido estudo, que favorecem uma abordagem mais nacional que europeia à relação com África.
"Talvez Portugal não esteja disposto a partilhar com os outros estados membros da UE os seus conhecimentos e contactos com determinadas regiões de África - ativos que lhe são reconhecidos internacionalmente e que foram dando a Lisboa uma importante influência em vários fóruns", admite o relatório.
O relatório, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, foi realizado por Susi Dennison e Lívia Franco e vai ser divulgado a 27 de outubro.
O Conselho Europeu para as Relações Externas (European Council on Foreign Relations, ECFR) é um centro de reflexão política independente ('think tank'), com escritórios em várias capitais europeias e investigadores em todos os 27 Estados-membros.
Portugal vai exercer a presidência do Conselho da União Europeia no primeiro semestre de 2021.