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Timorense denuncia 'escravatura' na Coreia do Sul

Mais trabalhadores migrantes denunciaram casos de exploração laboral

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Um grupo de trabalhadores migrantes, que inclui pelo menos timorense, denunciou casos de exploração laboral e de 'escravatura moderna' na Coreia do Sul, onde empregadores beneficiam de um programa de importação de mão de obra.

As denúncias feitas numa conferência de imprensa em Seul por vários migrantes são publicadas na edição de hoje do jornal Korea Herald.

Um dos migrantes que denunciou o abuso foi o pescador timorense Lopes M., que explicou aos jornalistas ter suportado condições de trabalho terríveis e violações dos direitos humanos numa pequena ilha coreana onde esteve vários anos.

"Durante a época das anchovas, eu ia ao mar duas vezes por dia, tinha de secar anchovas e cuidar das redes de pesca, trabalhando cerca de 15 a 20 horas por dia. Isso não quer dizer que eu tenha ganhado mais dinheiro", disse.

O pescador disse que viveu praticamente preso e isolado na ilha de Gaeyado, ao largo da costa de Gunsan, não lhe sendo permitido ausentar-se sem autorização do patrão.

Ainda que o contrato de trabalho proibisse transferência para outros locais de trabalho, foi enviado para outras zonas várias vezes e só há pouco tempo é que teve acesso à caderneta bancária, controlada pelo patrão, onde supostamente era depositado o seu salário de cerca de 1.765 dólares [1.490 euros] mensais.

"Quando estava no barco a pescar não havia refeição e apenas comíamos pão e chocolate", contou.

O jovem chegou pela primeira vez à Coreia do Sul em julho de 2014, tendo trabalhado para o mesmo patrão em Gaeyado durante quatro anos e 10 meses.

No ano passado obteve uma segunda licença de trabalho, válida por mais quatro anos e 10 meses, com a condição de ficar com o mesmo empregador, mas em setembro último acabou por fugir da ilha, estando desde então num abrigo.

Em causa estão trabalhadores de vários países, incluindo timorenses, que estão na Coreia do Sul ao abrigo do programa conhecido como "Sistema de Licenças de Emprego" que assenta na importação de mão de obra da região asiática que procura melhores salários que nos seus países.

O jornal referiu que o programa existe há 16 anos, mas que tem sido criticado por permitir o tratamento desigual de migrantes, face a trabalhadores coreanos, "tornando-os vulneráveis a práticas abusivas e até mesmo exploração escrava por parte dos empregadores".

Uma investigação recente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Coreia do Sul às condições de trabalho de 63 migrantes no setor da pesca na costa oeste do país constatou que, em média, trabalhavam 12 horas por dia, com uma pausa de menos de uma hora.

Cerca de 90% dos trabalhadores disseram que não tinham dias de folga durante um ano, com o rendimento médio mensal a ser menos 40% que o salário mínimo nacional.

Em seis casos os trabalhadores migrantes tinham os seus passaportes confiscados e em 23 os patrões retiam-lhes as cadernetas bancárias.

Outro dos migrantes a denunciar maus tratos foi um cidadão vietnamita a trabalhar no país desde junho de 2019 que, no decurso do trabalho, desenvolveu problemas respiratórios por exposição prolongada a fumos e gases de soldadura na unidade onde trabalhava.

Quando contou ao patrão em janeiro, a sua situação, ouviu a promessa de que seria mudado de local de trabalho, mas seis meses depois a transferência nunca ocorreu.

Depois de voltar a repetir o pedido ao patrão foi agredido e até acusado de ter coronavírus, tendo o patrão obrigado a que assinasse um papel para trabalhar para si mais três anos.

Após nova agressão do patrão fez queixa à polícia e apresentou um pedido no centro de emprego a pedir autorização para mudar de local de trabalho. Está a aguardar a decisão do centro.

O programa de trabalho engloba atualmente mais de 248 mil trabalhadores de 16 países asiáticos que estão destacados em pequenas e médias empresas dos setores da indústria transformadora, agrícola e das pescas.

Empregos pouco qualificados que são muitas vezes evitados pelos trabalhadores coreanos pelas suas más condições de trabalho e pelos baixos salários.

Os trabalhadores migrantes chegam à Coreia com um contrato, que inicialmente lhes permite trabalhar até três anos. Se os seus empregadores concordarem, podem prolongar o contrato por um ano e 10 meses. Se forem considerados "trabalhadores diligentes", podem ter a oportunidade de reentrar no país e trabalhar aqui por mais quatro anos e 10 meses.

Só podem mudar de local de trabalho até três vezes durante a sua estadia, e apenas em casos excecionais. Aqueles que abandonam os seus empregos sem o consentimento dos seus empregadores são comunicados à polícia como imigrantes ilegais e podem acabar por ser deportados, dizem ativistas que acompanham os casos.

O Ministério do Trabalho e do Emprego, por seu lado, defendeu que as polémicas restrições são necessárias para impedir que o sistema se transforme numa rota de imigração ilegal.

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