Portugal vestido de Rosa e Azul
Portugal sempre foi um País do ciclismo, feito de gente humilde com capacidade de sacrifício que se entregavam à causa com um esforço imenso
Começo a semana a organizar a minha agenda, deixando quase inconscientemente uma hora vaga a seguir ao almoço. Na minha cabeça já está a concentração que necessito para sentado num sofá, seja da sala de casa ou do escritório dar aos pés como quem dá aos pedais, na esperança obviamente ilusória de que assim ajudo o João Almeida e o Rúben Guerreiro a subir a montanha. Assim tenho vibrado, com a pele bem arrepiada e por vezes com os olhos humedecidos, a puxar carregado de entusiasmo e a sofrer por dentro. Com um querer imenso pelos que defendem a nossa bandeira. As nossas cores. Mesmo ocupado não deixo de ligar o telemóvel à Eurosport para ir acompanhando, seja a meio de reuniões ou no batizado do Vasco de quem tenho muito orgulho em ser padrinho.
Mas a história começou muito antes. Portugal sempre foi um País do ciclismo, feito de gente humilde com capacidade de sacrifício que se entregavam à causa com um esforço imenso. A emoção das metas volantes que acabavam nas terras e que levavam o povo para a rua, a puxar pelos seus preferidos e a homenagear os que chegavam em primeiro. Habituei-me por isso a ser um fiel seguidor da Volta a Portugal. A seguir aquelas míticas clássicas da Senhora da Graça, das Penhas da Saúde ou da Torre. O sofrimento espantado na cara e o heroísmo muitas vezes acompanhado de chuva ou de um intenso nevoeiro. Aqueles eram dias sagrados que preenchiam a minha infância, adornados por histórias que o meu Pai me contava do nosso Joaquim Agostinho ou do Marco Chagas. Aquele era o tempo do Acácio da Silva. E depois do Joaquim Gomes, do José Azevedo e do Vitor Gamito. Mas como bom benfiquista também dos espanhóis David Plaza e Melchior Mauri.
Essa paixão pelo ciclismo levou-me a tirar a sesta do meu cardápio, quando ia de férias com os meus Pais para o Sul de Espanha. Sempre no fim de Agosto ou principio de Setembro que coincidia com a Vuelta. Pedro “Perico” Delgado, Abraham Olano, Laurent Jalabert e tantos outros que me faziam as delicias, sentado à chinês, de pernas cruzadas, no chão do quarto sem tirar os olhos da televisão. No entanto houve duas razões que me fizeram adormecer esta minha paixão com o passar do tempo. Primeiro os sucessivos casos de doping que retiraram brilho, cor e a magia que este desporto sempre me despertou. Depois porque sou um acérrimo defensor de Portugal e adoro puxar pelos nossos lá fora. Seja em canoagem, Ping Pong ou neste caso o ciclismo. E a verdade é que há muitos anos que não temos nenhum porta estandarte. À parte do nosso brilhante David Rosa no Cross que nos encheu de orgulho nos Jogos Olímpicos ou Rui Costa campeão mundial de estrada a verdade é que não temos desde José Azevedo alguém que nos prenda às grandes voltas.
E este ano era suposto seguirmos pelo mesmo diapasão. Só que os nossos dois heróis não tinham os mesmos planos. Aos poucos, foram conquistando a nossa atenção e hoje em dia conheço muitos como eu, que não abdicam de ver a etapa, custe o que custar. Têm Portugal atrás deles por mérito próprio. Também nós nos sentimos cansados no fim da montanha, felizes com as vitórias do nosso Guerreiro e completamente extasiados com o esforço que o nosso Almeida fez ao subir sozinho atrás de quem lhe queria roubar a tão desejada “maglia rosa”. Sofremos por eles e sorrimos de felicidade quando conseguem os seus intentos por mais uma etapa. Ao dia a que escrevo este texto ainda faltam dois dias ou talvez um de longa e desafiante montanha. Existe a possibilidade de perdermos a camisola rosa, do nosso menino não aguentar o ritmo ou de a própria equipa não conseguir ultrapassar as naturais limitações. Isso não nos vai deixar de ter um orgulho imenso no que foi conquistado até aqui. E não nos vamos esquecer das alegrias que nos estão a dar numa época tão difícil e exigente. Mas se conseguirem mais um pouco, se forem além do limite, se por magia lá conseguirem chegar, Portugal deve no Domingo sair à rua de Rosa e Azul. De uma forma ou de outra já estão eternizados na nossa história. Daqui por 50 anos continuaremos a falar do Guerreiro das Montanhas e do Almeida que nos levou ao Céu. Vocês são os nossos heróis e jamais serão esquecidos.
P.S. Uma nota especial para os comentários brilhantes do Luís Piçarra, Paulo Martins, Olivier Bonamici, Gonçalo Moreira e José Azevedo. Estão de parabéns porque são mais uma nota de interesse neste maravilhoso espectáculo.