Madeira

Arquitectos na Madeira alertam para modelo que é "desastre completo"

Proposta de alteração à Lei da contratação pública generaliza entrega de obras sem projecto prévio. Susana Gouveia Jesus fala de "grande atropelo à lei da concorrência"

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Foto Arquivo/Rui Silva/Aspress

É “pôr a carroça à frente dos bois” e “um grande atropelo à lei da concorrência” diz a presidente da direcção da Secção Regional da Ordem dos Arquitectos da Madeira sobre a proposta de Lei que estabelece medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos (CCP) e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que entre outras alterações, generaliza que as entidades públicas podem dispensar um projecto de execução (concepção-construção) para tornar mais célere o lançamento das obras. O Governo da República pretende introduzir as alterações para melhor aproveitar os milhões da Europa que têm um curto período de execução, uma justificação que não serve à Ordem dos Arquitectos, que na audição de terça-feira na Comissão Parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação já se mostrou contra e questionou quem beneficia desta mudança.

Susana Gouveia Jesus diz que são vários os arquitectos na Madeira que contactaram a Secção para dar conta da sua preocupação, tendo mesmo um deles declarado que caso vá em frente, será o princípio do fim da arquitectura. A presidente mantém-se positiva, crê que a proposta será alterada antes de levada ao parlamento nacional. Mas falando em nome próprio assume que os arquitectos saem bastante fragilizados nesta proposta de Lei. “Eu diria que isto é mais grave do que a situação dos engenheiros estarem a assinar projectos de arquitectura”.

Susana Gouveia Jesus, a presidente da Secção da Madeira, entende que o objectivo da alteração do CCP, que se estende a outras áreas, tem como fim criar outra dinâmica na economia e que é necessária, mas há coisas que não podem ser ultrapassadas. “Há um grande atropelo à lei da concorrência”, lamenta.

Habitualmente há um projecto de construção, de arquitectura, engenharia, um projecto completo para uma obra pública que dá lugar a um concurso público para a sua construção. “Neste caso, trata-se de subverter, está-se a pôr a coisa ao contrário: há um empreiteiro, um construtor que vai ganhar uma obra e depois simplesmente escolhe qual o arquitecto, engenheiros, qual é a obra, o que é que vai fazer, depois”. Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitectos, disse mesmo ao jornal Público que “é como comprar uma casa sem conhecer sequer a planta”.

Esta opção é uma má escolha na opinião da arquitecta. Nenhum país da Europa tem o modelo e os de fora da Europa que o usam não tem corrido bem. “É um desastre completo, como acontece no Brasil”. “A minha grande preocupação é que este modelo já está noutros países e não está a funcionar”, alertou.

Diz que os arquitectos também estão interessados na simplificação dos procedimentos e na desburocratização de toda a administração pública. Não a qualquer custo.

A posição é nacional, da Ordem, depois de auscultadas as secções. Além dos arquitectos, a Assembleia da República está a auscultar outras ordens profissionais, ligadas directamente a esta alteração em concreto, assim como a outras ligadas a outras alterações previstas na proposta de Lei.

O Tribunal de Contas também já alertou para o perigo das alterações ao CCP, dizendo que abre a porta à corrupção, diz o Jornal Público que hoje pega no tema. A excepção passa a ser regra, o que aumenta, diz o TdC, “as possibilidades de concluiu na contratação pública e distorção de concorrência”.

Susana Gouveia Jesus reconhece a urgência de garantir as verbas e a sua execução, mas diz que a redacção pode ser feita de outra maneira, garantindo na mesma a celeridade dos prazos. E sugere a criação de uma biblioteca de projectos, que depois estão disponíveis e podem ser adaptados ao território, para casos de um prazo muitíssimo curto. “Preterir a qualidade do projecto, em que fica apenas reduzido a um preço acaba por ser perigoso e sobretudo não serve o cidadão em geral”. E recorda que não se trata de contratação de bens já confeccionados, como atoalhados ou papel higiénico. “Se defendemos que há que pensar o território com responsabilidade, é pôr a carroça à frente dos bois”.

Recorda que hoje com os meios tecnológicos os projectos fazem-se de modo muito mais rápido, em menos de metade do tempo. “A burocracia não está na feitura do projecto, mas na aprovação pelas várias entidades”, revela. E alerta que com a pressa se podem promover atropelos graves.

A presidente da Secção acredita que os deputados e as restantes pessoas que estão a discutir esta questão terão a criatividade necessária para salvaguardar estas questões.

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