Superjuiz avisa governantes: Portugal fica “isolado” se não adoptar colaboração premiada
O juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), defendeu, esta manhã, nas jornadas do Conselho Regional da Madeira da Ordem dos Advogados, que Portugal deve adoptar formas de colaboração premiada com arguidos para resolver casos de criminalidade organizada e complexa, caso contrário arrisca-se a ser colocado de parte na troca de informações pelos países mais desenvolvidos.
“A colaboração premiada é um instrumento que tem de ser bastante bem afinado mas é um caminho e nós vamos ter que ir por esse caminho. Se não formos, ficaremos isolados. Haverá acordos com todos os outros países das tais democracias maduras mas connosco ninguém colaborará”, declarou o magistrado judicial, que lembrou que sistemas judiciários de países como EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Itália ou Espanha já dispõem de mecanismos de “entendimento”, “soluções negociadas” ou “acordos de sentença” com arguidos para desenvolver investigações e resolver processos complexos.
O juiz admitiu que a “colaboração premiada” é ainda “um tema que convoca muita oposição e hostilidade nos nossos poderes dirigentes e nos nossos poderes de facto”. É uma oposição que disse estar “eivada de uma conotação com as palavras ‘delação’ e ‘bufaria’”, que são associadas ao regime salazarista. O próprio Carlos Alexandre assumiu que nem sempre foi “um adepto fervoroso" da solução da colaboração dos arguidos, mas que os 16 anos que já leva em diligências de instrução em casos de criminalidade grave levam-no a concluir que muitas vezes é “a única possível para obviar à tal falta de celeridade e obtenção de uma decisão em justo tempo”. A este respeito, apontou o “excelente resultado” produzido pela estratégia do Ministério Público em aceitar a suspensão de processos na chamada ‘Operação Furacão’, que permitiu ao Estado recuperar 300 milhões de euros em impostos.
Por várias vezes, o mais experiente magistrado do TCIC citou antigas declarações (de 2013) da ex-procuradora-geral distrital de Lisboa e actual ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, favoráveis a soluções como a atenuação negociada de penas ou a suspensão de processos. Citou igualmente o procurador-geral distrital de Coimbra Euclides Simões e o Professor Figueiredo Dias, para depois sublinhar que as soluções de entendimento na justiça “não são ideias de umas mentes persecutórias, são de pessoas que meditam muito sobre os assuntos”.
Por outro lado, Carlos Alexandre mostrou-se expectante sobre o que resultará da discussão pública da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção para 2020/2024. O documento já prevê situações de dispensa e atenuação de pena e suspensão provisória de processo mas o superjuiz mostra-se desconfiado quanto ao destino daquelas propostas: “Dizia há dias o senhor secretário de Estado da Justiça do Governo em funções que há ideias que são adequadas mas que podem não ser politicamente oportunas”.