Censura Positiva
Importa lembrar que a punição de crimes e de contraordenações é um ato de censura
Previamente discuti a intromissão do Governo nas redes sociais para a monitorização de discurso de ódio nesse meio a fim de sinalizar potenciais “ofensores”, criticando esta medida como sendo invasiva e, além do mais, a materialização do perigo de vigilância massificada, tendo em conta que é responsável por definir o discurso de ódio (uma ação não tipificada legalmente) e por demonstrar alto potencial na sua conversão em arma política direcionada a perseguir mais que o “discurso de ódio”. Hoje, contrariamente, irei abordar as questões em que estas formas de “censura tolerada” são necessárias, nomeadamente em relação a indivíduos cujos extremismos ideológicos os tornam capazes de pôr em risco a vida em sociedade.
Recentemente, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, decidiu proibir a publicação de conteúdo que pretenda difundir a ideia de que o Holocausto não existiu. Por detrás desta decisão está a descoberta de que este é um pensamento em crescimento nos Estados Unidos, na medida em que estudos recentes apontam que cerca de 25% dos americanos com idades compreendidas entre os 18 e 39 anos creem que o Holocausto é um mito (ou altamente exagerado) ou não têm a certeza de que aconteceu enquanto que outras estatísticas apontam que 10% dos jovens responsabiliza os judeus pelo evento. Aliando isto ao facto de que o antissemitismo está em ascensão no mundo, é percebido o potencial destrutivo que estes dois fatores podem ter, justificando assim a aplicação de medidas que evitem a disseminação de desinformação e de escaladas de violências por parte dos detentores de ideologias extremas tipicamente associadas à supremacia racial.
Do mesmo modo, surgem outros indivíduos que têm vindo a ser censurados devido à pandemia do COVID-19 (e não só): os teoristas da conspiração que afirmam que este vírus é inexistente e que se trata tudo de um estratagema satânico que pretende sufocar certos membros da sociedade (nomeadamente idosos) através da obrigação do uso de máscaras que lhes roubam o oxigénio. Como se pode imaginar, a difusão massificada destes ideais tem por resultado um desastre de saúde pública que, além de poder equivaler a um maior número de mortes associadas à COVID-19, resultará em mais um abrandamento na recuperação da economia.
Neste sentido, a censura é por vezes justificada, principalmente quando aplicada a instâncias que representam perigo público. Muitas vezes esta é aplicada a comportamentos que se poderão parecer com “livre-expressão”, mas, na verdade, estes encontram-se tipicamente associados a resultados nefastos e equivalentes à violação de direitos (no primeiro caso, o direito à integridade física e moral, e, no segundo caso, o direito à saúde).
Contrariando aqueles que deduzem que a censura não existe em sociedades democráticas ideais, importa lembrar que a punição de crimes e de contraordenações é um ato de censura e de neutralização/repressão de comportamentos que, de um ponto de vista social, são considerados inadequados. Assim os atos de censura descritos neste artigo são simplesmente uma extensão desta tradição censuradora exercida tanto por privados nas plataformas privadas que detêm (Mark Zuckerberg no Facebook) como por agentes públicos na vida pública (Estado no dia-a-dia) que visa neutralizar ameaças à ordem pública, sendo, por isso, censuras necessárias.