Madeira

Obra no hospital da Madeira parou 50 vezes e nem cumpriu projecto com mais de 20 anos

Tribunal de Contas revela pormenores de obra contratada pelo SESARAM à Tecnovia que terminou em litígio judicial e com um pedido de indemnização de 1,5 milhões

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SESARAM foi alertado para que articule o lançamento das empreitadas de obras públicas de acordo com a sua capacidade financeira

A auditoria do Tribunal de Contas (TdC) de fiscalização do contrato adicional à empreitada da ‘Obra do Centro de Procriação Médica Assistida, Internamento de Psiquiatria (agudos) e Ambulatório de Consulta Externa’, pelo Serviço de Saúde da Madeira (SESARAM), revela que a empreitada se baseou num projecto com mais de 20 anos e que não chegou a ser cumprido. Além disso, os trabalhos foram suspensos por 50 vezes, na esmagadora maioria por implicações no normal funcionamento do serviço hospitalar, o que levou a empresa de construção a exigir uma indemnização no valor de 1,5 milhões de euros.

O projecto de execução da empreitada, patenteado no concurso público, teve por base um projecto facultado pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) com mais de 20 anos, que não correspondeu às telas finais em termos de fundações e infra-estruturas hidráulicas enterradas, nota o relatório do Tribunal de Contas (TdC) divulgado esta terça-feira. 

"No início da execução da obra foram registadas substanciais divergências entre os elementos estruturais efectivamente existentes e os indicados no projecto de arquitectura e de estabilidade de 1988, nomeadamente nos pilares e nas sapatas de fundação do edifício" Relatório da auditoria do TdC

“Em concreto, no início da execução da obra foram registadas substanciais divergências entre os elementos estruturais efectivamente existentes e os indicados no projecto de arquitectura e de estabilidade de 1988, nomeadamente nos pilares e nas sapatas de fundação do edifício, o que revela que o empreiteiro que concretizou a empreitada inicial da consulta externa não observou aquele projecto”, observa a auditoria da Secção Regional do TdC.

Em face dessa discrepância, lê-se no documento, a execução da obra, consignada em 24 de Junho de 2013, esteve suspensa entre 2 de Agosto de 2013 e 13 de Janeiro de 2014, a fim de ser alterado o projecto de estabilidade, resultando num gasto acima do previsto superior a um milhão de euros.

“As deficiências detectadas no projecto, porque imprevistas, exigiram a realização de ‘trabalhos a mais’ no montante de 1.167.369,95€ (s/IVA), por contrapartida de trabalhos a menos no valor de 290.693,43€ (s/IVA), formalizados num contrato adicional celebrado em 25 de Julho de 2014, representativo de um acréscimo de 14,17% (876 676,52€, s/IVA) face ao preço contratual inicial, de 6.188.000€ (s/IVA), e implicou a prorrogação do prazo de execução da obra inicialmente fixado de 310 para 402 dias”, lê-se no relatório da auditoria hoje tornado público.

Obra esteve 50 vezes parada

Além do mais, o TdC observa que “no planeamento da execução dos trabalhos não foram equacionadas as limitações que o funcionamento da unidade hospitalar imporia, designadamente o facto de os trabalhos provocarem ruído e transmitirem vibrações ou trepidações à estrutura do edifício, as quais não são compatíveis com o adequado funcionamento da Tomografia Axial Computorizada (TAC), o que gerou mais atrasos na execução da obra”.

“No planeamento da execução dos trabalhos não foram equacionadas as limitações que o funcionamento da unidade hospitalar imporia, designadamente o facto de os trabalhos provocarem ruído e transmitirem vibrações ou trepidações à estrutura do edifício, as quais não são compatíveis com o adequado funcionamento da Tomografia Axial Computorizada (TAC)" Relatório da Auditoria do TdC

Por tudo isto, os trabalhos de construção da unidade foram suspensos por 45 vezes. “Efectivamente, 45 dos 50 autos de suspensão parciais ocorridos entre 14 de Janeiro de 2014 e 27 de Janeiro de 2015, todos com assento no Código dos Contratos Públicos (CCP), tiveram como justificação esse tipo de limitações e a subsequente “falta de condições de segurança”.

Pedido de indemnização de 1,5 milhões de euros

Entretanto, a empreitada viria a ser abandonada, seguindo-se um litígio judicial com o construtor que reclama o pagamento de uma indemnização de 1,5 milhões de euros. Primeiro, a 27 de Janeiro de 2015, o Conselho de Administração (CA) do SESARAM deliberou suspender a obra de instalação do serviço de psiquiatria (agudos). Depois, a 4 de Novembro seguinte, a obra por inteiro, a pedido do empreiteiro, invocando “falta de pagamento de qualquer quantia devida nos termos do contrato, desde que tenha decorrido um mês sobre a data do respectivo vencimento”.

Na prática, o serviço de psiquiatria (agudos) acabou por ser substituído pela unidade polivalente de Medicina Interna, por força de circunstâncias imprevistas à data do lançamento da obra, mas que residem no facto de a execução da mesma ter-se arrastado, à data, por mais de cinco anos do que inicialmente previsto.

“A execução financeira da obra, que correspondeu à execução física, quedou-se nos 5.124 982,02€, ou seja, em 82,82% do preço contratual inicial, fora os 876 676,52€ do valor do primeiro contrato adicional, integralmente executado e pago, perfazendo 6 001 658,54€ (tudo valores s/IVA)”, observa o TdC.

“A este montante acresce o valor dos juros decorrentes dos atrasos nos pagamentos das facturas emitidas, na ordem dos 769.726,58€, fixado num acordo para o seu pagamento em 5 de Dezembro de 2017 entre os mesmos co-contratantes, resultado da falta de disponibilidade de tesouraria do SESARAM, E.P.E., e que, nessa medida, originou o encarecimento da obra, ao qual poderá ainda somar o montante de 1.532.263,01€, peticionado pelo empreiteiro a título de indemnização pelas suspensões da obra por motivos que lhe foram alheios, litígio que vai ser dirimido em sede de Tribunal Arbitral”, descreve o relatório da auditoria. A audiência de julgamento estava agendada para os dias 23 e 24 de Outubro de 2019.

As mais de 50 suspensões dos trabalhos, por vontade alheia ao empreiteiro, a par da falta de pagamento de facturas nas respectivas datas de vencimento, o que obrigou a Tecnovia, S.A., a ter de se autofinanciar para fazer face às suas obrigações" Relatório da auditoria do TdC

“No caso, é invocado o direito à indemnização pelas mais de 50 suspensões dos trabalhos, por vontade alheia ao empreiteiro, entre 4 de Novembro de 2015 e 31 de Maio de 2017, 1 de Junho e 30 de Agosto de 2017, 31 de Agosto e 31 de Dezembro de 2017, e 1 de Janeiro e 7 de Novembro de 2018, as quais tiveram significativas consequências na execução dos mesmos, a par da falta de pagamento de facturas nas respectivas datas de vencimento, o que obrigou a Tecnovia, S.A., a ter de se autofinanciar para fazer face às suas obrigações”, lê-se no relatório da auditoria.

TdC recomenda ao SESARAM apertada fiscalização das obras

Por tudo isto, o TdC recomenda ao SESARAM que “diligencie no sentido de garantir uma apertada fiscalização da execução das obras que tenha a seu cargo em conformidade com os correspondentes projectos e, bem assim, da exactidão das respectivas telas finais, por forma a obviar, no futuro, problemas semelhantes aos registados ao longo da ‘Obra do centro de procriação médica assistida, internamento de psiquiatria (agudos) e ambulatório de consulta externa’.

Solicita também “ao SESARAM para que articule o lançamento das empreitadas de obras públicas com a existência de uma efectiva disponibilidade de tesouraria de molde a serem observados os prazos e os planos de pagamentos contratualizados, e as condicionantes que a execução de uma empreitada de obras públicas acarreta num edifício em funcionamento. Recomendou ainda que promova a adequada gestão dos contratos celebrados, com vista ao cumprimento do objecto contratual nos prazos e termos acordados”.

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