Crónicas

As “reformas” à moda do PS

1. Disco: Cabrita é um saxofonista que já participou na gravação de mais de 100 discos de música portuguesa. Passou por projectos como Sitiados, Kussundulola, The Legendary Tigerman, Dead Combo, Sérgio Godinho, Orelha Negra ou Cais Sodré Funk Connection. Saiu agora o seu primeiro trabalho a solo e que leva o seu nome. Não podia deixar de contar com a colaboração de nomes como Gui, Paulo Furtado, Tó Trips, entre outros. Um som potente, profundo, de um projecto nacional a ser ouvido e seguido com muita atenção.

2. Livro: Há duas coisas que me recuso a fazer: condicionar as minhas leituras ao preconceito e à descontextualização. Leio de tudo, até coisas escritas por quem está do outro lado do meu pensamento político. “Conhece o teu inimigo e conhece-te a ti mesmo; se tiveres cem combates a travar, cem vezes serás vitorioso. Se ignoras o teu inimigo e te conheces, as tuas hipóteses de perder e de ganhar serão idênticas. Se ignoras, ao mesmo tempo, o teu inimigo e a ti mesmo, só contarás os teus combates por derrotas”, escreveu Sun Tzu em “A Arte da Guerra”. Vão lê-lo.

3. Em cinco anos de governo, o Partido Socialista não fez uma reforma que fosse. Para o PS, tudo neste país funciona às mil maravilhas. Não se fez nada, a não ser cosmética.

O Estado não se descentralizou; não se reformou o sistema de eleição, avançando para círculos uninominais e um círculo de compensação nacional; não se remodelou o sistema político, mantendo-se a partidocracia em que vivemos; não se fez nada para que o Ensino levasse a reforma de que tanto precisa, soltando-se dos corporativismos em que chafurda; não houve uma alteração que fosse no que aos impostos diz respeito (a não ser que se considere reforma aumentá-los); não se mudou nada, no que ao ambiente diz respeito; nem uma linha que seja, em relação à necessária reformulação das relações laborais.

A qualificação dos portugueses, o reforço da inovação, a capitalização do tecido empresarial, a valorização e qualificação do território, a modernização dos serviços públicos e o combate às desigualdades com a criação de mais equidade, a consolidação alicerçada num processo de reforma do Estado que garanta a qualidade das políticas públicas. Nada. Cinco anos e nada.

Então, o que o PS e o seu Governo nos oferecem?

Oferecem-nos a nomeação de uma procuradora, para o Gabinete da Procuradoria Europeia, que ficou em 2º lugar no concurso realizado para o cargo, que vai ter como incumbência investigar fraudes na aplicação de fundos europeus.

Oferecem-nos a alteração das regras de contratação da Administração Pública, tornando o facilitismo regra e escancarando as portas à corrupção, ao nepotismo e ao compadrio.

Oferecem-nos uma panelinha feita com o PSD para a nomeação dos presidentes das CCDR. Como resultado da divisão de um bolo em que “dois para mim e um para ti” foi a fórmula acordada.

Oferecem-nos um Governador do Banco de Portugal acabadinho de sair do Ministério que agora tem de avaliar. Centeno avalia Centeno.

Oferecem-nos o “despedimento” do presidente do Tribunal de Contas, com a concordância do líder do PSD, inventando uma regra idiota desconhecida de todos. Nomeiam uma figurinha aparelhística, que tem no currículo um papel importante, no desbloquear do impasse das PPP rodoviárias, cujo impacto poderá ter lesado o Estado em 3,5 mil milhões de euros. No dia seguinte à sua tomada de posse, o que vem o PS propor? Uma auditoria ao Novo Banco. Feita por quem? Pois…

Oferecem-nos o regresso de uma figura sinistra à área da governação. Vítor Escária, de seu nome, que pagou ao Estado para deixar de ser arguido no Galpgate, já tinha sido uma figuraça no tempo de Sócrates.

Oferecem-nos as trapalhadas do SIRESP, do caso Tancos, de Pedrogão, de uma deputada que o continua a ser depois das falcatruas feitas com fundos europeus.

Oferecem-nos a recandidatura de um Presidente da República que têm manobrado a seu belo prazer, tornando-o numa figura que começa a roçar o patético.

Oferecem, uns aos outros, uma rede clientelar de figuras e figurinhas que entrelaçam relações familiares com a maior desfaçatez, uma teia que engloba nomeações que vão do Governo até à mais remota das freguesias.

E, agora sim, aí vem a suprema das reformas: a criação de mais 600 freguesias. É este o maior mal do país, esta espécie de “gerrymandering” à portuguesa que visa criar mais uns milhares de cargos para distribuir pelas militâncias partidárias. Precisamos disto como precisamos de arrancar uma unha com um alicate e sem anestesia.

É isto que o PS oferece, um sistema onde o Estado se confunde com o partido e o partido com o Estado.

Mas não se fiquem os outros a rir. Lá é como cá. E levamos com isto tudo a dobrar.

4. Comecemos por definir, com clareza e rapidez, o que é capitalismo. Curto e grosso, podemos considerar que o capitalismo é um sistema económico em que as entidades privadas são quem gere os factores de produção. Factores de produção que são: o empreendedorismo, o capital, os recursos e o trabalho. O capitalismo só pode ter sucesso se apoiado num mercado livre e se os bens e serviços forem distribuídos segundo a lei da oferta e da procura. Este mecanismo é o que permite que os preços aumentem quando a procura é muita, o que leva a concorrência a perceber que pode ter lucro e a produzir, fazendo com que o preço, porque há mais oferta, baixe.

Claro que podemos partir daqui para explicações muito mais complexas, mas para o que pretendo explanar de seguida, o acima escrito é suficiente.

Se o capitalismo, e consequentemente o mercado livre, leva à concorrência, que obriga a uma maior qualidade do produto e a preços mais baixos para o consumidor, se o capitalismo, dizia, funcionar livremente com pouca regulação, temos todos a ganhar com isso.

O que provoca as maiores disfuncionalidades no capitalismo é a interferência. E uma dessas interferências é o compadrio.

Um sistema onde a fórmula faz com que vários empresários desfrutem de relacionamentos com políticos importantes recebendo deles favores, está longe de ser capitalismo. Esses favores normalmente permitem que obtenham retornos muito maiores do que aqueles que prevaleceriam numa economia em que o mercado funcionasse livremente.

Estamos fartos de assistir ao modo como esta gente, sem qualquer melindre, “se safa” com a maior das impunidades. Empresas e empresários a recorrer a crédito quase dado (quando não o é mesmo) levou à falência de bancos que acabaram por ter de ser amparados pelo Estado, com dinheiro dos contribuintes. O crédito barato, ou é canalizado para as empresas de amigos através de bancos controlados pelo governo, ou os banqueiros privados são induzidos a fornecer crédito, por troca de algum direito económico. Os “compadres” também podem ser recompensados com a capacidade de cobrar preços mais altos, pela sua produção, do que cobrariam num mercado competitivo. Veja-se o caso EDP. Uma forma muito comum é a de conceder a um grupo económico uma espécie de monopólio. Ou proteger os amigos, da concorrência, com altos níveis de protecção comercial, o que lhes permite cobrar preços bem acima daqueles que deveriam prevalecer. É por isso que temos um dos mais altos preços de electricidade da Europa.

Esta espécie de capitalismo de compadres induz à corrupção e é um enorme obstáculo ao desenvolvimento. Elites políticas e alguma classe empresarial sem escrúpulos, quando se juntam, dão sempre um péssimo resultado. Forma-se um atoleiro onde é difícil distinguir onde acabam uns e começam os outros. Um pântano onde chafurdam personagens que saem da política e passam para a gestão de grandes empresas, um lodaçal onde mergulham interesses que levam gestores a irem fazer uma perninha na política para daí tirarem dividendos. Tudo isto serve para que se crie um país travado, com dificuldade de desenvolvimento e de criação de riqueza, pois colocam em causa o progresso económico.

Não é difícil reconhecer, no nosso país, a existência de um capitalismo de compadrio. É por demais evidente que assim é.

E capitalismo de compadrio pura e simplesmente, não é capitalismo.

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