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Terapia

Devemos relembrar a importância de não negligenciarmos o nosso bem-estar

Numa manhã de outono, no Porto Santo, muito cedo, depois de alguma hesitação, acabei mesmo por vencer aquela inércia matinal e decidi sair. Caminhei descalço, sobre o chão ainda molhado pela chuva intensa da noite, num instinto decidido que me fazia confiar no tempo, ou que apenas me fazia, talvez, assumir todos os riscos e enfrentar as possíveis contrariedades da natureza à qual me entregava. Tinha sido só uma noite de chuva. Nada poderá ser suficientemente forte e duradouro se não superar uma verdadeira tempestade e eu precisava respirar aquele mar sereno sobre o areal deserto.

Caminhei junto ao mar, inquieto talvez. Fernando Aramburu, em “Pátria”, uma obra extraordinária que deu agora lugar a uma série de televisão, escreveu: “Um homem pode ser um barco. Um homem pode ser um barco com casco de aço. Depois passam os anos e formam-se fendas. Por elas entra a água da nostalgia, contaminada de solidão (...)”. Recuperei momentos, passeios, beijos e abraços, amor eterno, falei com o mar e com o infinito, revivi, sorri, morri, renasci e não parei. Evitei todos os encontros físicos indesejados que me poderiam desconcentrar e desencontrar, e alarguei o passo. O corpo também precisa de intensidade. Respiramos melhor quando damos mais intensidade ao corpo, é um facto. Procurei no corpo a intensidade física que me libertaria o ar, acalmando a alma e tranquilizando a mente. Precisava respirar. Procurava reencontrar ou recuperar uma parte de mim e caminhei na areia fria. Respirei o mar molhado da chuva, enquanto os primeiros raios de sol por entre as nuvens faziam dançar as gaivotas. Todos procuravam o sol que nascia nas minhas costas, sobre aquele mar silencioso. Algumas nuvens continuavam carregadas da noite, mas em frente o céu era muito azul e eu caminhava só. Mergulhei, abracei aquele mar onde permaneci largos minutos. Regressei. Só as marcas dos pés na areia denunciavam esse mergulho solitário, mas por pouco tempo. O mar e o vento apagam sempre todas as marcas. E de novo me entrego às rotinas alucinantes, com a certeza de que posso sempre voltar ao mar e à serra, eu que sou de terra e de ar.

Neste tempo de pandemia em que vivemos tão condicionados, agora que acabámos de assinalar o dia mundial da saúde mental, devemos relembrar a importância de não negligenciarmos o nosso bem-estar geral. Temos de reagir perante as adversidades e contrariedades, de procurar os nossos refúgios seguros, as relações verdadeiras que vencem todas as tempestades, os momentos de equilíbrio e as terapias naturais que ajudam a reparar as fendas do nosso barco, para que possamos sempre seguir em frente.

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