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Aparências e políticos “catch-all”

A política vive de aparências. Esta não é uma novidade – e desconhecida máxima – para os politicólogos e milhares, senão mesmo milhões, de cidadãos.

Relembrando uma célebre afirmação do advogado e político portuense, Francisco Sá Carneiro – um dos fundadores do Partido Popular Democrático (PPD), depois denominado Partido Social-Democrata (PSD) e ex-primeiro-ministro de Portugal, entre janeiro e dezembro de 1980 –, “em política, o que parece é”, ou seja, aquilo que os cidadãos observam, veem, o que (a)parece e lhes é apresentado (mas que talvez pouco entendam/decifrem, sobretudo aquilo que se encapota por detrás do observado), reflete o existente, melhor, representa o real.

Francisco Sá Carneiro, o homem e político que é preciso conhecer e compreender num Portugal que despontava no pós-25 de abril de 1974, teve, infelizmente, uma vida curta e estava longe de captar (e perceber) a dimensão do mundo globalizado e mediatizado em que vivemos hoje (após as revoluções da tecnologia da informação e da biotecnologia), em particular o da nova ação política onde a epidemia das fake news impera um pouco por todo o lado, mas peculiarmente nas redes sociais.

As aparências, ilusões, ficções, as “máscaras” fabricadas muitas vezes com a cumplicidade dos media (onde o jornalismo de investigação é cada vez mais “um oásis no deserto”), encobrem a autêntica realidade e o cidadão julga (e decide) quase sempre com base não no real, no fidedigno e verídico, mas naquilo que lhe foi servido para o deliciar. A expressão popular “nem tudo que luz é ouro”, deveria facilitar e auxiliar-nos na cautela/prudência que é imperioso ter, pois neste mundo globalizado e digital, poucos são já os bem-intencionados e os que não se deixam induzir em erro. É verdade que a política não é responsável (nem a causa) de tudo o que sucede de mal no nosso país ou aos portugueses (apesar de criar algumas paixões e ódios) – desde os desastres naturais/ambientais, alguns insucessos ou infelicidades, crises financeiras ou económicas… – mas ela faz a diferença, isto é, a atividade (e classe) política, os decisores políticos podem fazer a diferença, podem acautelar/prevenir, ampliar, mitigar ou até mesmo solucionar alguns dos problemas/questões acima referidos. Julgo que não é grande ingenuidade ainda pensar assim!

A ‘boa política’, não aquela que serve o interesse privado ou corporativo, mas o Bem Comum, aquela que consegue combinar as escolhas coletivas com diversas limitações/carências que todas as comunidades ou países têm, e onde as opções coletivas nascem de consensos ou acordos que unem os diversos grupos sociais, aquela que apresenta aos cidadãos um rumo e os leva a optar por viver de uma determinada maneira e a construir, no presente, um futuro que será melhor do que o passado, em suma, a política onde existem escolhas verdadeiras, essa sim interessa garantir, preservar e incrementar, pois ela faz toda a diferença quando vivemos num tempo de apressadas mudanças e de grandes (e orquestradas) fabulações. Apesar da desilusão quase generalizada, do enorme descrédito e deterioração da política (em particular nos partidos políticos que nos têm governado), ainda há uma réstia de esperança e aqueles que não querem desistir.

Ora, em correlação com este panorama, na Europa, e desde os finais de 1950, surgiu um tipo de partido político de massas a que o constitucionalista alemão, Otto Kirchheimer, chamou de partidos “catch-all”(ou pigliatutti – pega-tudo, apanha-tudo), designação que presentemente pode ser alargada a algumas individualidades da política nacional (e internacional), na medida em que são elas muitas vezes a imagem/rosto/identidade (e símbolo) dos próprios partidos (em Portugal, a extrema direita radical e populista prospera aos olhos de todos seguindo esta estratégia).

Num tempo em que cresce a desideologização e despolitização da sociedade, em que “o mercado político” está pejado de oferta (para quase todos os deleites), onde os ciclos e objetivos eleitorais são a curto prazo, ergueram-se – e estão agora na primeira linha – políticos, que à custa da sua identidade e da renúncia a um determinado enquadramento intelectual e moral (valores), procuram alargar ao máximo a sua base de apoio eleitoral e que, ganhando as eleições, aspiram açambarcar todos os recursos e cargos públicos. Estas ‘personalidades’ estão orientadas apenas para concorrem a eleições e pretendem somente vencê-las, independentemente da base ideológica e dos programas eleitorais e objetivos apresentados (o importante é líder gerar empatia e é escolhido pela sua capacidade de conquistar votos). Recrutam apoiantes em todos os grupos e classes sociais, revelam total abertura a diferentes grupos de interesse/lobbies e a imagem/carisma do líder é trabalhada ao pormenor pelo marketing político, cujo ‘produto’ é depois exposto e deixado nas mãos da chamada “boa imprensa”.

Recentemente os portugueses tiveram oportunidade de vislumbrar um pouco deste tacticismo, oportunismo e pragmatismo político, um manifesto exemplo de político ‘catch-all’, quando o cidadão, primeiro-ministro e líder de um determinado partido político, lançou, aproveitando a visita às instalações de uma grande empresa, a recandidatura do atual Presidente da República, para um segundo mandato em Belém (sendo o visado originário de outro espectro político), ou quando a mesma personalidade, agora apenas o cidadão António Costa e não o primeiro-ministro nem líder partidário, integrou (somente por alguns dias, é um facto, na medida em que foi forçado a encontrar um emenda para o imbróglio que o próprio arquitetou) a lista da Comissão de Honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica. De facto, se é verdade que “não vale tudo na política”, também é uma realidade que falta ética a muitos dos nossos agentes políticos, pelo menos aquela que está consagrada na Constituição. O desânimo, o descrédito na/da política e a desconfiança em relação a alguns políticos, gerada por casos como este, não pode retirar-nos a esperança no futuro, pois creio que esse está ainda nas nossas mãos!

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