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Fui almoçar com o INIMIGO da FRELIMO

Há coisas do «arco da velha». Quando soube que ia ser avô, do Vasco, nascido no dia da Autonomia da Madeira e do nascimento de Salgueiro Maia, um herói do 25 de Abril, publiquei nas rede social esse facto.

Nestas coisas da vida encontrei um «inimigo» meu, um terrorista, na linguagem da ditadura colonial fascista de Salazar e Marcelo.

O meu «inimigo, militante da FRELIMO, guerrilheiro, cineasta, Camilo que encontrei nas matas de Cabo Delgado, felicitou-me pelo facto de ser avô e dava-me conta que estava em Portugal.

Para que se perceba todo o enredo desta narrativa, eu participei na Guerra Colonial em Moçambique, embora sendo contra a guerra, e de acordo com a orientação do meu Partido, o PCP, de combater por dentro.

A relação política entre o PCP e a FRELIMO era total - Portugal só podia ser livre, democrático, progressista e anticolonialista se houvesse uma ruptura com a ditadura e que fosse garantida a independência das colónias.

Antes dos Acordos de Lusaca, que garantiram a independência de Moçambique, muitos acontecimentos, pequenos ou grandes, mas significativos tiveram lugar entre as nossas tropas (NT) e os Frelos (IN).

A seguir a 9 de Agosto de 74, depois de um ataque feroz á minha coluna , tínhamos saído de Sagal , situação com morto e diversos feridos e com apoio de Abdul dos Helis, chegamos a Mueda a capital da Guerra.

Certo dia, talvez por 15 de Agosto, já tínhamos 4 ou 5 guerrilheiros em Mueda na qual se incluía o eficiente João muito engajado na luta e fazia mini comícios com os militares negros das nossas tropas.

Agitei um grupo de militares brancos das NT e fomos desarmados ter com o inimigo a caminho da base Central da Frelimo

O encontro foi feito a meio caminho, os Frelos vieram connosco para Mueda, eram cerca de 8 portugueses e 12 da Frelimo, as fotos foram publicadas nas redes sociais, nesse encontro destaquei o jovem da câmara fotográfica , Camilo de Sousa que entretanto e com os seus camaradas regressou ao mato.

Apareceu mais tarde um grupo da FRELIMO no qual se incluía Ismael Mangueira que conheci em Lisboa, Klint que estudou na Hungria, Eugénio que estudou na Roménia, João Macuti que era médico e esta gente passou a integrar o grupo de meus amigos também andou por lá a Giraldina e a Fernanda Machungo.

Assinado o acordo de Lusaca a 7 de Setembro, nesse preciso dia acontece em Lourenço Marques o golpe contra o acordo , com a ocupação do Rádio Clube de Moçambique e música de Zeca Afonso,criando uma situação dramática com muitos mortos na cidade e possibilidade de reiníicio da guerra. Foi difícil o equilíbrio na frente de combate.

Passados 30 anos regressei a Moçambique, pela mão do arcebispo de Nampula, D.Tomé, para apoiar a reconstrução do Hospital de Marrére.

Antes de partir, confessei-me com o padre Jardim, e ele aconselhou-me a fazer o que dizia a minha consciência e mais me disse que não via a foice e o martelo na minha testa. Porém preparou-me para algumas surpresas.

Certo dia, falo ao bispo da minha história de Mueda. Passados 10 minutos já tinha encontro marcado no Maputo com Klint que pouco tempo depois morre de cancro.

As minhas viagens missionárias sucedem-se, reencontro Ismael, falo com Giraldina Eugénio, padre Amaro, e contamos as nossas vidas...

Falemos do almoço com o inimigo.

O Caleca é o administrador da página Picadas De Cabo Delgado, área plural onde contamos histórias de guerra por vezes com ideias opostas.

Juntei na Caparica o Caleca, o «inimigo», eu próprio e as companheiras num restaurante com uma boa sardinhada e vinho branco.

Recebi do meu amigo Mário do Pombal (também como eu desobediente do colonialismo) uma mensagem a pedir um encontro com o «inimigo» que encontramos nas matas de Cabo Delgado e que ele pensava que era um cubano.

No dia seguinte fui ter com Mário ao Pombal e levei o «inimigo» e anexei o meu camarada Furtado de Sagal, cujo irmão foi preso e torturado pela PIDE.

Mário está doente perdeu mais de 50 kg só anda com apoio de uma camarada que lutou na Guiné. Foi um almoço feliz e cheio de emoções.

Furtado, que estava sentado ao lado de Mário (com quem tinha estado há pouco mais de um ano) não o reconheceu e até perguntou quando ele iria chegar. Pisquei o olho e ele percebeu onde estava o homem do Pombal. Ao fim da tarde, Mário telefonou-me a perguntar-me pelo fim da viagem, e disse que tinha reparado que Furtado no princípio não o tinha reconhecido

Quarenta e cinco anos depois de terminada a guerra é enorme a fraternidade entre valorosos combatentes das duas partes em confronto, cada um contou histórias de emboscadas, minas, combates, bombas de avião e até de napalm, de amores de guerrilheiros por filhas do colonialismo e os nossos contaram histórias e paixões por guerrilheiras.

Os povos quiseram a paz, a liberdade a democracia, o fim da tortura e da opressão os governos levaram-nos para a guerra.