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O autocarro vermelho

Era um simples autocarro vermelho. A cor e o feitio lembravam os clássicos autocarros ingleses. Nas laterais carregava uma mensagem simples e, precisamente por isso, perigosa. “We send the EU £350 million a week, let’s fund our NHS instead.” Todas as semanas, pagamos à União Europeia 350 milhões de libras, em vez disso, vamos financiar o nosso serviço de saúde. Para além de chocante, a mensagem apelava a uma escolha óbvia. Não havia que enganar. Saúde ou União Europeia? Nós ou eles? Os britânicos responderiam no dia do referendo. O Reino Unido estava de saída da União Europeia. Mas nem tudo era mau, afinal o “brexit” permitiria um aumento do orçamento para a saúde. Só havia um pequeno problema. A mensagem do autocarro era falsa. Uma verdadeira aldrabice. Nem o montante que, supostamente, os britânicos pagavam à União Europeia estava correcto, como nem sequer haveria dinheiro a mais com a saída, pois a quebra na economia e na receita fiscal ultrapassará largamente qualquer poupança. Ainda assim, o mais grave para o serviço de saúde inglês não estava escrito na lateral do autocarro. Todos os meses, o Reino Unido importa 37 milhões de caixas de medicamentos para os seus cidadãos. A entrada rápida destes medicamentos em território britânico, depende de um sistema de comércio livre que só a União Europeia pode garantir. Actualmente, 5% dos médicos e enfermeiros do serviço de saúde ing lês são cidadãos de outros países europeus. Esse número tem vindo a crescer, ano após ano. A entrada de novos profissionais, e a permanência dos que já lá trabalham, depende das fronteiras abertas que só a União Europeia permite. 27 milhões de britânicos têm o Cartão Europeu de Seguro de Doença, que permite o acesso gratuito a assistência médica em qualquer país europeu. A segurança que este cartão oferece, não só para os ingleses que saem do seu país, mas também para os europeus que visitam o Reino Unido, só é possível numa comunidade como é a União Europeia. Preocupante? Então imagine que o “brexit” avança, no próximo dia 12 de Abril, sem qualquer acordo entre quem fica e quem sai. De um dia para o outro, fronteiras inglesas fechadas a pessoas e mercadorias europeias. Tudo sem qualquer preparação ou período de transição. Por isso, o autocarro vermelho ensina-nos uma lição importante. Desconfie de quem só quer falar nos problemas, mas não tem tempo para explicar as soluções. Especialmente, na área da saúde. Que o digam os britânicos.