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A vida discreta de quem garante o funcionamento das escolas

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Todos os dias, Conceição Cardoso sai de casa às 06:30 e, à sua espera, tem cerca de 500 alunos de uma escola problemática de Lisboa. Há dez anos, Conceição era uma das 35 funcionárias, hoje são apenas cinco.

A falta de assistentes operacionais é, há muito, sentida por diretores, professores e alunos. Mas são os funcionários quem, diariamente, sofre as consequências: “Há uma grande sobrecarga de trabalho”, resume Conceição Cardoso, a coordenadora da equipa de funcionárias da Escola EB23 Manuel da Maia, em Lisboa.

Esta é uma das razões da greve agendada para sexta-feira para pressionar o Ministério da Educação a aumentar o pessoal não docente nas escolas.

“Temos de ter uma pessoa no bar, outra na portaria, outra no ginásio e na reprografia. Estamos a falar de uma escola com cinco pisos. Somos muito poucas para muito trabalho”, exemplifica Conceição Cardoso, que, com 52 anos e 25 de serviço, recebe mensalmente menos de 800 euros.

Um ordenado que fica muito acima do valor médio destes trabalhadores: 41,5% ganham 580 euros, segundo um inquérito realizado em abril pelo blogue ComRegras com o apoio da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Francelina Pereira é um desses casos: Com 20 anos de serviço, recebe o salário mínimo nacional.

“Nós somos as primeiras a identificar se os alunos vêm com fome, se têm problemas em casa, se sofrem algum tipo de violência dentro ou fora da escola. É a nós que eles se encostam e é connosco que têm a primeira oportunidade de desabafar”, conta à Lusa.

“Vestimos a camisola, honramos a nossa profissão e, em troca, levamos 580 euros para casa”, desabafa.

Conceição Cardoso conta que tem várias colegas que têm de fazer trabalhos extra para equilibrar o orçamento familiar: “Algumas, chegam a casa e ainda vão passar a ferro para fora”, exemplifica.

“Miséria” é o adjetivo usado pelo presidente da ANDAEP, Filinto Lima, para qualificar o ordenado destes funcionários, que considera essenciais para o funcionamento das escolas.

Cerca de 30 mil trabalhadores apoiam diariamente alunos e professores. Estão nas portarias, nas cantinas e bares, nas bibliotecas e ginásios. Nos recreios, tanto impõem a autoridade na gestão de conflitos como são confidentes de quem mais precisa.

“Nesta escola, há alunos para quem é normal ir visitar os pais à cadeia. Outros vivem situações de violência doméstica. Muitos vivem com os avós e não se sentem à vontade para falar com eles. E é connosco que acabam por desabafar ou pedir ajuda”, conta Conceição Cardoso.

Também os pais reconhecem a importância dos assistentes operacionais, lembrando que as crianças passam “um tempo significativo fora da sala de aula” e os funcionários são “a primeira pessoa a quem podem recorrer e quem evita que algumas situações se agravem”, sublinha Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional de Associação de Pais (Confap).

“A importância que têm nas escolas não se coaduna com o ordenado. Muitas conhecem melhor os miúdos do que eu”, acrescenta o diretor do Agrupamento de Escolas de Benfica, Manuel Esperança.

Naquele agrupamento de escolas, o número de assistentes operacionais está de acordo com a legislação, mas o diretor gostaria de ter mais, em especial na escola Pedro Santarém, “onde há determinadas zonas que não são vigiadas”.

A grande maioria dos diretores escolares (82%) depara-se diariamente com a falta de funcionários, segundo o inquérito realizado do blogue ComRegras com o apoio da ANDAEP.

Com 52 anos, Conceição começa a trabalhar às 08:30, mas, admite, nem sempre tem hora de saída. “Às vezes os pais atrasam-se e nenhuma criança é abandonada do lado de fora do portão. Esperamos até que a última saia”.