O meu querido comércio
Tenho observado, com espanto contido, as iniciativas mais ou menos entusiasmadas que, segundo dizem, poderão revitalizar o comércio do Funchal. Seja lá o que isso queira dizer. Na verdade, mais panfleto menos panfleto; mais propaganda menos propaganda; mais animação menos animação; a questão de fundo é sempre a mesma: qual a melhor forma de criar condições adequadas ao dinamismo comercial que assegure mais facturação, mais margem comercial, portanto, mais estímulo ao investimento, mas também mais criação de emprego sem comprometer preços adequados aos consumidores. Tudo isto junto mas com mais qualidade e com a possibilidade de oferecer aos clientes (locais e visitantes) uma panóplia suficientemente abrangente de produtos. A minha honesta admiração é que já passamos por isto. Houve momentos em que valeu tudo : debaixo de cada prédio novo aparecia uma loja nova e num qualquer serrado próximo do Funchal emergia um centro comercial. Sabemos bem o que aconteceu a seguir mas, pelos vistos, não aprendemos nada. Mas, acrescento à minha admiração, a perplexidade, porque apesar de observar alguns maçaricos empertigados a falar (muito) do que não sabem, há muita gente que está calejada nestas andanças e podia impedir outro apagão, num sector de enorme relevância para a criação de emprego e para a revitalização e atração da cidade, com contributos excepcionais para a população local mas também para os visitantes.
Vem tudo isto a propósito, não por estar contra os discursos, repetidos à náusea, da revitalização comercial, mas porque nunca saiu da gaveta a absoluta necessidade de ordenar o comércio. De garantir que num centro urbano com limitações da procura, exigências na oferta e com objectivos de qualidade, é imperioso um razoável bom senso nas decisões políticas e nas opções governativas, venham de onde vierem. Esta atenção deve ser o caminho das políticas públicas. É por aqui que marcamos a diferença e passamos a contar no quadro comparativo, não apenas nacional mas também europeu. Sei que me vão atirar à cara rankings a torto e a direito, sempre muito excepcionais e também repetidos à náusea. Mas lembro que essa lenga-lenga de excepcionais resultados também ocorria, amiúde, no tempo da dívida oculta e, como sabem, muitos bancos internacionais emprestaram, a torto e a direito, a uma região cheia de belos rankings mas já completamente falida. Nesse grupo, até o poderoso Deutsche Bank caiu na esparrela. Mas adiante.
Num momento em que está previsto o surgimento de uma nova centralidade comercial a 500 metros do centro do Funchal, debaixo do novo hotel Savoy, onde surgirá um enorme centro comercial a céu aberto com 70 novas lojas (o Centro Comercial La Vie tem 60) que estudos/reflexões/debates acompanharam estas decisões (legítimas, sublinhe-se, por parte do investidor), designadamente em termos de impacto na procura, nos preços, na mobilidade, no trânsito, na capacidade de carga do quarteirão? Que medidas estão a ser tomadas para não canibalizar investimentos efectuados no comércio do centro do Funchal, absolutamente essenciais para a nossa imagem de marca? Que modelos/cenários de ordenamento comercial estão em curso para a defesa do comércio? E se nada disto está em curso, porquê revitalizar o que pode acabar de morte súbita? Afinal, o que é preciso saber é se há alguém que ordena o completo desnorte comercial que se observa a olho nu? E já agora, se alguém ainda se preocupa com isso?