Turismo

Turismo no Norte “em vias de acabar”

Empresários hoteleiros e da restauração do Norte da ilha estão revoltados. Dizem-se esquecidos pelas entidades governamentais e alguns já admitem fechar as unidades no Inverno. O cenário é péssimo e culpam a inércia da Secretaria Regional do Turismo pela baixa ocupação

Os empresários do Norte da ilha temem o pior para o turismo na zona. O cenário assume, aliás, contornos dramáticos conforme confessaram diversos empresários em declarações ao DIÁRIO.

Joel Freitas preside à Associação Comercial Industrial do Norte da Madeira,  entidade que conta com 76 filiados.  É da opinião que o Norte está perante uma nova realidade dramática: a sazonalidade. E há empresários que, pela primeira vez no seu historial hoteleiro, equacionam a possibilidade de fechar as suas unidades no Inverno, como resultado da quebra gradual das taxas de ocupação.

Problemas que derivam, no entender dos inquiridos, da falta de planificação e ausência de promoção da ‘marca Madeira’ no exterior por parte da Secretaria Regional do Turismo. Portanto, de forma unânime, querem ser ouvidos pela tutela.

Duarte Sousa, gestor hoteleiro, considera “urgente” a alteração da estratégia governamental para o turismo, caso contrário, “o Norte como destino turístico pode mesmo acabar”. “Temos que investir no turismo rural, é a única saída para sustentar esta indústria na Região”.

A grande maioria dos empresários nortenhos comungam do pensamento de que há necessidade de uma mudança profunda no estratagema de difusão do Norte. Mas Joel Freitas sente falta de apoio de instituições de vital importância, “tais como as autarquias, a Secretária Regional do Turismo” que, no seu entender, “nunca revelaram qualquer tipo de visão estratégica, objectivos e planos”. “É como um indivíduo que vai participar numa maratona sem qualquer treino”, compara.

Joel Freitas constata que a Região investiu muito “em infra-estruturas, umas bem feitas outras mal feitas, mas a parte cultural ficou para trás”. “Fomos esquecendo o nosso passado”, lamenta.

Santana ‘travou’ projecto vitalHá cerca de quatro anos a Associação desenvolveu um projecto que era tido como fulcral para o desenvolvimento turístico do Norte.  Contemplava um roteiro turístico, website, loja on-line (saudade) com apoios comunitários e privados, por sinal das três Câmaras Municipais, Santana, São Vicente e Porto Moniz, juntamente com a Associação presidida por Joel Freitas. O problema é que autarquia santanense ‘roeu a corda’ e nada se fez.

Aliás, diz sentir-se magoado com os incumprimentos de quem tutela o turismo da Madeira. E até dá um exemplo: “O Plano de Urbanismo, publicado em 2000, com uma vigência de dez anos, previa uma actividade específica para cada concelho. Em São Vicente as Rotas das Origens, para Santana o Património Rural Cultural, Porto Moniz as Portas da Laurissilva… No meu caso em concreto, seria colocar nas Rotas das Origens a Rota da Cal, juntamente com as Grutas de São Vicente. Tomei a iniciativa de desenvolver o projecto e até hoje por parte das entidades oficiais nada”, desabafa.

Face à negra realidade, Joel Freitas dá um conselho às entidades governamentais: “Se calhar o Governo acha que não é necessário ouvir ninguém, há pessoas que pensam que sabem tudo. Eu faço precisamente o contrário. Nos meus projectos gosto de ouvir várias personalidades de diferentes áreas”, constata.

E não se coíbe de criticar a classe política. “Nos últimos anos o País tem tido uma classe política que a única coisa que fez na vida foi andar com uma bandeira.

Nunca sentiram dificuldades, só andam dentro dos gabinetes, longe das populações e das dificuldades dos empresários… Então pelo menos tenham a humildade de nos ouvir”, apela.

Entende que houve falhas graves no mapa rodoviário. “Não se criou pólos no sentido de fixar as populações. O túnel que permite trazer mais pessoas é o mesmo que também as leva mais rápido”, assim como “não se descentralizou os eventos nem se distribuiu as instituições”.

O empresário Duarte Sousa acusa mesmo a tutela de “fornecer dados estatísticos que não correspondem à verdade nas suas ocupações”, atesta. Reconhece que o problema afecta toda a ilha, mas em especial o Norte, “porque desde a primeira hora nunca houve uma estratégia bem delineada. A Região não teve a capacidade de antecipação, de estudo, no sentido de compreender o mercado a nível europeu”. “O turismo abriu-se ao Mundo e a Madeira não o conseguiu acompanhar fruto da inactividade dos governantes”.

De 7 para 45 milhões!De resto, entende que a Madeira tem de investir mais na promoção turística, bem para além dos 7 milhões de euros inscritos no orçamento. “Todos os manuais apontam que a Região devia gastar na sua divulgação cerca de 45 milhões. Repare, ainda há dias, ao DIÁRIO, um dos candidatos à liderança do PSD referiu que caso venha a ganhar o valor orçamental para o turismo vai dobrar. As pessoas começam a perceber que o trabalho anterior foi mal feito”, informa.

Para Duarte Sousa, a Madeira não pode ter duas promoções distintas, uma para o sul outra para o norte. Considera ser preciso “dar visibilidade aos diferentes desportos que a Madeira pode oferecer: surf, bodyboard, windsurf, mergulho, vela... É preciso acabar com a ideia que a Madeira é um destino só para idosos”.

Critica, porém, o actual estado de abandono de quase tudo o que sejam “levadas, estradas antigas,  miradouros”. E arrasa com quem tem responsabilidades a este nível. “O que fazem as chefias? Mas será que alguém abandona a sua sala e vem cá fora, ao país real, ver como as coisas estão? Não fiscalizam? Que grande desresponsabilização impera nos organismos. No passado e com menos meios financeiros, menos recursos humanos, a Madeira estava num jardim, agora está mais num matagal. Se algum dia pensasse que isto iria virar este ‘forrobodó’ nem tinha regressado à Região depois de ter feito os meus estudos em Lisboa, nem tinha realizado o grande investimento que fiz em São Vicente”, queixa-se.

Reconhece que “muitas das obras realizadas foram importantes”, mas frisa que “este modelo de governação já está esgotado há mais de dez anos, é urgente recuperar a Madeira do antigamente naquilo que de mais genuíno temos.”

Não tem pejo em afirmar que o facto da Região ser governada pelas mesmas pessoas há muitos anos “foi um entrave  ao desenvolvimento sustentado e uniforme da Região”. Por isso, declara: “Está na hora dos governantes assumirem as suas responsabilidades, não podemos continuar a dar ao desporto verbas a rondar os 30 milhões e para o turismo uma pequena parte. Afinal a Madeira vive de quê? Qual é o nosso sector produtivo”, questiona.

Políticos estagnaram no tempoPara este empresário, um dos grandes problemas com que a Região se debateu durante muitos anos, foi mesmo “ter as Câmaras e Governo com a mesma cor política, houve uma clara estagnação dos políticos nos últimos dez anos.” E por isso quer aproveitar a mudança em algumas autarquias para fomentar valores que se foram perdendo, “tais como o bairrismo, a capacidade de intervir, de participar”.

Desgostoso, critica o encerramento da estrada que liga São Vicente ao Porto Moniz. “Quem permite que esta estrada, emblemática, cartaz turístico, esteja encerrada há tanto tempo não percebe nada de turismo! Fala-se que para o ano vai abrir, mas é só uma pequena parte do percurso. Permitir que esta artéria esteja fechada é também uma falta de respeito pelos nossos antepassados.”

Nesta linha de pensamento, lamenta, que o Teatro de São Vicente tenha ido abaixo por iniciativa política, recordando que hoje o turismo está virado para as vivências dos seus povos, a gastronomia, a cultura, os vinhos. “Quando um turista chega à nossa estalagem, das primeiras coisas que quer saber é das nossas memórias, da gastronomia, dos vinhos, da cultura, dos nossos hábitos”, sustenta.

O preço das ligações entre a Madeira e o resto do País é igualmente penoso. “Porque ainda não se resolveu o problema das viagens áreas? “Como é possível os madeirenses pagarem viagens para Espanha a 50 euros enquanto para Lisboa ou Porto anda a volta de 230 euros? Como é possível a viagem entre o Funchal e o Porto Santo custar mais que uma viagem a Londres? O que fizeram os governos estes anos todos que não resolveram problemas vitais para economia da Região”, pergunta.

Refira-se que apesar da insistência do DIÁRIO, a Secretaria Regional do Turismo não se pronunciou em relação a este tema.

Muitas preocupações e avisos

Vitalino Fernandes lamenta “as sucessivas obras que se realizam nos túneis de ligação São Vicente-Porto Moniz, principalmente no Verão, período no qual há mais visitantes, o que não faz sentido”. Este empresário acusa da Governo de só promover o turismo para Sul, “realidade, infelizmente, que já vem há muitos anos”.

Yenny Gonçalves acha que os lucros do Verão “não compensam as despesas no Inverno, onde há uma ocupação muito baixa.” “É com dificuldade que continuamos com as portas abertas, aliás, vou revelar em primeira mão que já começo a pensar em fechar o hotel no Inverno, só não o fiz ainda porque tenho pensado nos funcionários e como vão viver. Existe uma ‘máfia’ que só quer promover o Sul da ilha, tem de haver distribuição dos eventos por toda a Região.”

Ana Figueira também acha que “está muito má a ocupação. O trabalho que o Governo tem feito na promoção do turismo é só para o Funchal”.

Rafael Gomes partilha da mesma preocupação. “O turismo está cada vez mais a escassear, tende a ser sazonal e sem o Armas então é que é um Deus nos acuda. A estrada que está fechada no Paul da Serra há mais de um ano é um grande revés para todo o norte”.

Rui Freitas aponta o caminho para uma melhoria, dizendo ser “necessário potencializar novos desportos a norte, como asa delta, parapente, desportos radicais. O mar não é aproveitado convenientemente e cais no Porto Moniz não serve para nada”.

Para Rosa Andrade, “o turismo está péssimo na costa Norte, fruto de uma estratégia errada do Governo”, que deixa “tudo ao abandono”. “A sinalização é uma vergonha, tudo está canalizado só para a via rápida, o turista que não conhece as outras estradas acaba por não conhecer a Madeira antiga. Outro grave problema é que a política está sempre acima de todos os interesses dos empresários e criou-se ao longo destes anos muitos ‘lóbis’ que nada se preocupam em promover correctamente o destino Madeira. Estou a pensar em encerrar o hotel no período de Inverno”, confessa.

Empresários  - Classificam trabalho da Secretaria de Turismo de 0 a 10 no Norte da Ilha - Média de 2,8

Rafael Gomes -  (São Vicente) - 4,8 - Empresário: Restaurante Clube Naval de São Vicente, restaurante Virgílio, restaurante Bar Alfa, restaurante Pizzaria Água d’Alto e Discoteca ‘O Tubarão’.

Vitalino Fernandes (Porto Moniz) - 3 - Empresário: Restaurante Olhos d’Água e Pizzaria Poça dos Arcos.

Rui Freitas (São Vicente) - 0 - Empresário: Estalagem Corte do Norte e Empresa de Limpeza Doméstica (Assistência à hotelaria e privados).

Joel Freitas (São Vicente) - Empresário: Casa de Turismo Rural Solar da Bica, Casa de Turismo dos Lameiros e Núcleo Museológico da Rota da Cal.

Yenny Gonçalves (Porto Moniz) - 4 - Empresária: Hotel Moniz Sol

Ana Figueira (Porto Moniz) - 2 - Empresário:  Residencial e Restaurante Atlântico;

Duarte Sousa (São Vicente) - 3 - Empresário: Estalagem do Vale e Aparthotel Imperatriz (Funchal).

Rosa Andrade (São Jorge) - 3 - Empresária: Cabanas Village.

Nota: Joel Freitas optou por não avaliar o trabalho da Secretaria do Turismo…