Madeira: que rumo (para o Turismo)?
Jorge A. Vasconcellos e Sá partilha com os leitores do DIÁRIO artigo de opinião numa altura em que a Região tenta caracterizar o destino, mas continua sem plano estratégico
Introdução
Os planos estratégicos orientadores, direccionadores, etc. (tanto faz o nome) têm que, antes de mais, apresentar o alvo, o foco, o caminho.
Pelo que são tanto mais úteis, quanto mais forem específicos.
Sendo precisos podem estar errados, mas pelo menos são claros.
Se não forem claros (porque precisos), mesmo que "certos", não servem para nada porque não apontam um rumo, mas dezenas de direcções.
E é claro que ser uma inutilidade são as boas notícias. As más é que se fica pior que antes: perdeu-se tempo, energia e dinheiro, desmotivou-se (tudo e todos) e descredibilizou-se uma iniciativa que pode ser muito útil. Mais valia estar quieto.
Para tal não acontecer, um plano estratégico (orientador, etc. etc.) tem que cumprir cinco regras essenciais:
1º - Identificar claramente o(s) segmento(s) final(is) alvo;2º - Em termos de quatro dimensões;3º - Justificadamente;4º - Resultando claro que os segmentos não alvo são incomparavelmente mais que os alvos; e5º - (e finalmente) - Todos os programas (sejam eles de marketing ou outros) estarem centrados nos factores críticos de sucesso para atrair os clientes alvo.
Primeiro: A importância de selecionar o segmento (cliente) final alvo, sejam eles um tipo de pessoas ou de empresas
Mas então não basta focar em atrair os tour operators, ou nas companhias aéreas?
A resposta é um claro não. Um tour operator pode ser encarado como um distribuidor (e há outros canais como a net, as agências de retalho e corporate directo), ou um dos clientes, mas nunca como o único cliente, esquecendo o cliente final (pessoas ou empresas).
Idem, idem, aspas, aspas em relação às companhias aéreas, as transportadoras.
Porque se a Madeira não seleccionar os (tipos de) clientes finais que quer, arrisca-se a ter como clientes quem não dá muito valor ao que a Madeira tem, de distintivo, senão de único.
Donde saem três consequências: 1) o cliente final não é fidelizado; 2) não há word of mouth; e 3) (como o nível de satisfação é um encolher de ombros pelos clientes final), a Madeira só atrai pelo preço e não pela excelência em determinadas características que o cliente valorize muito.
O resultado global é a Madeira tornar-se num destino indistinto, um "me too". Com preços em queda pagos pelos "restos" (dos clientes finais), ou por quem vem ao engano. Um destino de "cepa torta", de baixos preços de quartos e clientes mesquinhos nos extras.
Muito bem, dirão alguns: mas deixemos essa decisão aos tour operators (ou transportadoras aéreas).
É de facto o mais fácil, mas não é o melhor, porque se trata de uma tripla tonteria.
Primeiro, porque se os tour operatours/transportadoras aéreas se enganarem, o que acontece?: para a Madeira é um desastre; os tour operators ou as companhias aéreas, esses, simplesmente voltam-se para outros destinos. "Vão à sua vidinha".
Segundo, porque ninguém conhece melhor a Madeira que os… madeirenses; os tour operators e as transportadoras, esses, lidam com dezenas de destinos.
Donde (1+2), a estratégia da Madeira (tipo de cliente final a atrair) é uma decisão demasiado importante e arriscada para ser colocada nas mãos dos tour operators e transportadoras, fazendo tanto sentido fazê-lo, como uma empresa industrial deixar a escolha da sua estratégia aos distribuidores, ou camionistas encarregados da logística.
Finalmente ao abdicar-se de definir o cliente final alvo (e portanto de o atrair em termos de marketing), fica-se nas mãos dos tour operators e transportadoras aéreas. No presente para nos pressionarem em termos de preço (já que não temos visibilidade de marca junto do cliente final). E no futuro sem ninguém, se os tour operators e companhias aéreas, apontarem baterias para outras bandas.
E temos então uma reedição (quem disse que a História não se repete?) da situação de tantas empresas das indústrias tradicionais, as quais, dependente dos importadores/agentes/distribuidores, não vendem, compram-lhes (como dizia o saudoso Ernâni Lopes). Logo não têm margem e andam aos caídos, de desconto em desconto, até à ruína final.Segundo: Tipificando os clientes finais
Tudo bem. Mas como distinguir entre os clientes finais?
É relativamente simples (mas não é fácil porque requer trabalho). De facto, tal como os clientes finais empresas se diferenciam em termos de dimensão, indústria, tipo (multinacionais, empresas públicas, etc.) e nacionalidade, também as pessoas se destrinçam de outras variáveis e desde logo em termos de fase do ciclo de vida, já que é obviamente diferente o que procuram turistas jovens solteiros, casais sem filhos, famílias, pré-reformados e reformados. Há depois várias (seis) classes sociais, diversos estilos de vida (desde o tradicional, até ao urbano, eco, desportista, techno, minimalista, etc.), múltiplas necessidades no turismo (cultura, citadino, natureza, mar, sol e praia, lazer, saúde, cruzeiros, histórico, religioso - anualmente 300 milhões de turistas e 18 biliões de dólares de receita - etc.), preços do produto e nacionalidade do cliente: só a Alemanha e o UK exportam anualmente 107 milhões de turistas.
Há pois, muito por onde escolher e deve-se escolher muito (o que se quer). Mas com que base?
Terceiro: os critérios de escolha
São cinco. O primeiro, o que a Madeira tem senão de único, pelo menos de distintivo.
Segundo, no(s) vários segmento(s) quais os principais concorrentes e qual o grau de competitividade da Madeira face a eles?
Segue-se (3º) o volume de negócios em cada segmento (número de turistas x poder de compra), (4º) taxa de crescimento e (5º) sinergia entre os vários segmentos em termos de infraestruturas de lazer, culturais e programas de marketing.
Ou seja, competitividade, atractividade e partilha de recursos entre vários segmentos.
Quarto: Os não clientes (segmentos não alvo) têm que ser incomparavelmente mais que os clientes-alvo
Não há ventos favoráveis quando não se sabe o porto para onde se quer ir, lembrava o filósofo Seneca.
Por isso, e como se referiu no início, o plano estratégico tem que dar direcção, foco.
E para tal tem que passar o teste do não, que é a palavra mais importante de um plano: ficar absolutamente claro todo o tipo de 1) clientes, 2) necessidades, 3) produtos e 4) localizações que não são prioritários. Pensar é dizer não (Alain). Não há prioridades, sem uma lista enorme de posteridades.
Quinto (e por fim): centrar os programas no segmento-alvo
Isto significa duas coisas: primeiro, o marketing focado no tipo de cliente (e onde eles estão) que se quer atrair, promovendo unicamente a necessidade e os produtos estratégicos escolhidos.
E depois, os programas estruturais centrados nos factores críticos de sucesso do segmento. Sejam eles quais forem. City breaks?: lojas, museus, shows. Turismo histórico?: monumentos, museus, festivais. Lazer ± activo?: beleza citadina, segurança, gastronomia, limpeza, coadjuvados por beleza rural próxima e beneficiados por um clima ameno. Turismo de famílias?: parques temáticos, infraestruturas de aparthotéis e segurança. E assim sucessivamente.
Qualquer outro programa, que não se concentre no mercado alvo e seus factores de sucesso, pode ser interessante, rentável e tudo o mais que se queira, mas nunca, deve ser feito porque tem um custo de oportunidade; ou seja, existe uma melhor aplicação alternativa do dinheiro. E como ele não nasce em árvores… aplica-lo em projectos "jeitosos" e rentáveis é perder dinheiro porque não são críticos.
Além de que como os recursos são escassos, se os programas forem especializados, uma região consegue atingir patamares mais altos de qualidade, do que se não forem. É a opção entre apostar na qualidade e no preço.
Conclusão: os caminhos para o nada
Tudo, seja o que for, que se afaste do de cima, não leva a lado nenhum.
Não serve para nada. Não dá foco, fonte de excelência (muito e bem não há quem), não identifica os pontos fortes, a que a Madeira deve-se agarrar (para concorrer com os outros nos seus próprios termos e não nas condições deles); e não estabelece um critério para selecionar os programas (e sendo os recursos escassos, cria-se um custo de oportunidade).
Ao fim e ao cabo, nenhuma empresa sobrevive, sem ter um rumo, uma orientação, uma estratégia. Sem "andar aos caídos". Porque haveria então de ser diferente numa região? Madeira ou qualquer outra? Num mundo em que há (muitas) multinacionais, que facturam (muito) mais que elas?