Natureza é 'pérola' a recuperar
Se depender dos privados, o futuro Plano Estratégico do Turismo da Madeira só tem que dar primazia à natureza. 'Pérola do Atlântico' é a marca a mediatizar, de preferência nos mercados tradicionais e com orçamento a condizer
Depois de um diagnóstico severo, os privados dão um passo em frente para que o destino Madeira ganhe competitividade, consistência e valor. Ao DIÁRIO sugerem linhas essenciais para o modelo turístico a seguir e que tipo de destino deve ser a Região nos próximos anos. À tutela pedem discernimento e acção.A base está descobertaPor muito complexo que possa parecer, a Madeira enquanto "ilha intimista e atlântica" deve conjugar esforços de modo a "proporcionar férias de sossego activo, em ambiente de natureza exuberante e de um património singular". A nobre missão do destino, a consagrar no Plano Estratégico, no qual devem estar assentes os planos de 'marketing' e de promoção, é sugerida pelo vice-presidente da APAVT.João Welsh adiciona-lhe "valores", como "o exotismo, o pitoresco, a autenticidade, a tranquilidade, o sossego, a segurança, elevadíssima consciência ambiental, e a hospitalidade"; os activos estratégicos, o denominado 'green and blue' que brota "das paisagens, do mar e das serras, das vilas tradicionais, do património cultural e edificado, das levadas e veredas, do vinho, dos produtos regionais, dos jardins e quintas"; e a visão de destino "boutique Premium".A conjugação de factores visa atrair "seniores, os 'young active seniores' e os 'well established' do segmento médio e médio alto do norte da Europa" e tem como objectivo estratégico a 10 anos uma receita global superior a 1.200 milhões de euros.Visão similar tem o presidente da Ordem dos Economistas na Região. Eduardo Jesus julga que na definição do tipo de destino que se pretende para a Madeira "não existe absolutamente nada a fazer". Na sua óptica, está tudo concretizado e da melhor forma, porque "tudo devemos à generosidade da Natureza".Nesse quadro julga que a Madeira apenas tem que "preservar aquilo que a Criação nos deu e deve fazê-lo com coragem e determinação respeitando as condições naturais que são nossas e nunca importando fantasias de outros sítios que nada têm a ver connosco". O economista julga "que quanto menor o espaço para fazer coisas, melhor para nós", recordando que muito frequentemente, a Madeira é apontada como um exemplo da descaracterização do destino, "o que evidencia que o desenvolvimento da Madeira ocorreu de forma muito específica, sem que se conseguissem salvaguardar os aspectos da identidade que tanto são apreciados por locais e visitantes e que, no fundo, são a razão do sucesso neste sector: a diferenciação pela autenticidade".Embora lamente a ausência de uma reflexão estratégica, defende uma única orientação que envolva o poder regional, municipal e local: "Não estragar aquilo que temos. Somos, assumidamente, um destino de natureza. De serra e de mar!".Menos pormenorizado é Paulo Prada. Aliás, o presidente do Conselho Consultivo da AP julga que deverá ser o Plano a definir tamanhas orientações, desde que elaborado por uma "consultora com mérito e competência reconhecidos" e desde que "ouvidos os 'players' locais". É seu desejo que o Plano Estratégico seja entregue para sua execução "a um gestor sénior, 'expert' no sector, com provas dadas, recrutado no mercado internacional, por uma 'head hunter', sem quaisquer pressões locais, público/privadas, com apoio da consultora que elaborará o plano".Contudo, tão ou mais importante, "é fazer 'focus groups' e ouvir os nossos clientes, os destinos concorrenciais, os distribuidores, os 'tour operadores', etc", sugere.O director geral da Estalagem Quintinha de São João, André Barreto, só tem esperança de que o Plano se faça urgentemente. Daí julgar ser prematuro abordar a questão. Por julgar ser seu dever "não condicionar de nenhuma forma o que de lá possa sair em termos de modelo" e por não estar certo de ser o detentor da verdade.'Pérola do Atlântico' como marcaCom o manancial ditado pela natureza, e sendo para Eduardo Jesus dado adquirido que "um destino não pode mudar de marca com a frequência com que mudam as vontades dos decisores ou com as modas que vão passando", que imagem e marca deve a Madeira consolidar, para assim a partilhar de forma consistente e única a operadores e clientes, aos mercados e aos meios de comunicação?"As questões são de elevada sensibilidade e não podem ser tratadas de qualquer forma nem ao sabor dos tempos". Essa é a convicção do economista para quem a Madeira conseguiu uma afirmação extraordinária através da expressão 'Pérola do Atlântico'. "Foi alguma coisa que surgiu espontaneamente, ninguém sabe quem foi o seu autor, mas que colheu abrigo no consciente da grande maioria daqueles que nos visitam, ao ponto de ser, ainda hoje, a forma como a Madeira é referenciada mais vezes. E, mais importante, essa expressão transporta um sentimento de uma generosidade fantástica. É incrível a forma como a mesma é referida por esse mundo fora, em todas as línguas e sempre da forma mais carinhosa. Muito dificilmente uma marca consegue aquela notoriedade. É um activo que a Madeira tem e que merece ser considerado e avaliado".Como nenhuma outra marca da Madeira conseguiu aquilo que esta ainda, hoje, consegue, João Welsh também defende a 'Pérola do Atlântico' como a assinatura permanente da marca destino Madeira. "Impõe-se, via plano estratégico, que a proposta de valor do destino encerre, de forma íntegra e plena, este 'slogan', que é como somos conhecidos em todo o mundo", sublinha, confessando não perceber "porque se gastam, de tempos em tempos, fortunas para encontrar novos 'slogans', quando temos um que tem uma notoriedade imbatível". "Se sou conhecido como o 'João', não preciso de pagar estudos para saber se ganharia mais notoriedade em ter outro nome", desabafa.Paulo Prada volta a remeter respostas para o Plano que um dia, acredita, surgirá. André Barreto julga que, antes, "a Madeira deve consolidar o produto que quer vender, para então depois poder pensar na imagem e na marca, que têm que ser uma consequência e não a base".
Orçamento adequado ao peso do sectorO modelo turístico regional deve ser sustentado em acções de comunicação e 'marketing', devidamente orçamentadas e orientadas para objectivos assumidos.Paulo Prada entende que o Plano deverá assumir determinado orçamento ou até vários orçamentos. "Para um orçamento A, as acções são X. Para o orçamento B, as acções são Y", opina. De qualquer forma, aceita traçar um quadro orçamental, "proveniente de fontes públicas", que deverá ser, "no mínimo, de dois euros por cada 'room night'" e no qual "os privados também deverão ser chamados a contribuir proporcionalmente".Por seu lado, André Barreto assume não conseguir responder a esta questão sem um Plano Estratégico "que, definindo os objectivos a atingir, pode e deve explicar de que maneira e com que meios os podemos alcançar".O certo é que actualmente "ninguém tem a noção do retorno do investimento", "não se sabe se uma determinada acção produz efeito ou não" e a lógica que subsiste é a de "dar continuidade àquilo que já se fazia, ignorando a realidade actual e mesmo que os resultados dessa prática sejam desastrosos, ou, em alternativa, seguir orientações dos financiadores institucionais mesmo que as essas não façam qualquer sentido para o destino".As críticas são feitas por Eduardo Jesus, que sugere um orçamento adequado ao peso do sector na economia regional. "Os recursos a afectar ao mesmo devem corresponder ao retorno que a Madeira tem. A contribuição do sector do turismo para a economia regional é grande, não se sabe ao certo quanto porque não dispomos de dados actuais. Já foi superior a 23%...", refere.O melhor negócioO economista garante que o sector é visto como "o melhor negócio na Região". É pelo menos aquele em que a Região "investe muito pouco e em que o retorno é muito, através dos impostos gerados na actividade, dos empregos, das taxas e contribuições". Mas nem sempre tem sido visto como decisivo.João Welsh entende que para promover bem o destino importa assegurar uma série de componentes. Defende a centralização da promoção num único organismo, ou seja na Associação de Promoção da Madeira, que é a entidade que congrega os interesses público/privados. Pede para que haja "compromisso público entre a capacidade instalada e a dotação orçamental para a promoção, estabelecendo um valor mínimo por cama", assente no princípio da coerência económica e que "numa primeira fase, para recuperar os índices de conforto de rentabilidade do destino, seria de um valor de 1.000€ cama e, posteriormente, em fase de cruzeiro, um valor na ordem dos 500€ cama, tendo sempre presente que este é, inquestionavelmente, um dos únicos investimentos públicos reprodutivos e que o turismo já significa cerca de 30% do nosso PIB".Reclama uma "focalização" de mercados, segmentos de clientes e de produtos, maximizando assim as verbas investidas. Exige ainda que 80% do investimento se destinem a campanhas dirigidas ao consumidor final. "Desta forma, não só garantiríamos profissionalismo, como o conhecimento especializado dos mercados, flexibilidade contratual e redução, para um mínimo, da estrutura de custos dos organismos de promoção da região", conclui.Que produtos?João Welsh: "Uma ilha 'Macro Resort' de natureza e mar, 'no agenda' (lazer de charme), de descanso activo… Uma ilha centrada nos seguintes subprodutos: passeios a pé; actividades de montanha; actividades marítimas; 'bird watching'; vinho Madeira e produtos regionais".Eduardo Jesus : "A Madeira é 'Serra e Mar' e nada mais. Tudo o que se quiser vender fora disto é assumidamente um erro, um engano. Naturalmente que o destino tem um povo e, no nosso caso, a sua natureza constitui, através da sua Cultura, um activo muito importante e indispensável na afirmação da autenticidade do destino, na formação diferenciada da oferta e na qualificação daquilo que se pretende dar aos visitantes".André Barreto: "Embora possa ser suspeito a este respeito, pelos interesses particulares que possuo, julgo que devíamos potenciar tudo o que fosse genuíno e único, que abrange coisas tão diversas quanto as Quintas da Madeira, a agricultura em pousio, as levadas, as praias de calhau ou a proximidade única entre o mar e a serra, entre outros aspectos".Paulo Prada : "Deve ser o Plano Estratégico a definir".Alerta de Jesus"Chegar ao consumidor é o objectivo e o equilíbrio dos meios deve ser a regra". Essa é a visão partilhada por Eduardo Jesus ao DIÁRIO. E para enfatizá-la, quando chamado a traçar o mapa de mercados prioritários a merecer a aposta da Madeira, recordou um episódio recente que deve nortear a actuação dos 'players' do sector:"Em 2010 esteve cá, na Madeira, a autora do slogan 'I love NY'. Peggy Bendel deixou-nos um legado. Uma receita para a nossa actuação que não resisto a referir: 1. Confiar nas pesquisas e dados estatísticos; 2. Ser fiel à sua identidade; 3. Envolver o maior número de sentidos possíveis: visão, som, cheiro, gosto, toque; 4. Usar os atributos que o fazem distinto e autêntico; 5. Comunicação customizada para mercados alvo; 6. Não deixar que as questões internas - ou mesmo a política - se intrometam no caminho; 7. Procurar financiamento dedicado e comprometido; 8. Nunca descansar sobre os louros; 9. Se concluir que chegou ao fim - não acredite! REPITA, REPITA, REPITA!!! Será que todos os destinos do mundo tiveram esta oportunidade?".Mercados tradicionais são prioritários As estratégias de promoção devem estar viradas para os mercados ditos tradicionais. O apelo é comum aos privados que colaboraram com o DIÁRIO na abordagem ao futuro plano estratégico para o destino Madeira.Privilegiar a história é o lema. "A Madeira afirmou-se ao longo do tempo em determinados mercados que passaram a ser os habituais e com os quais nos relacionamos como sendo os mercado prioritários. As características da oferta, do destino e a forma como a comercialização era feita fizeram do Reino Unido e da Alemanha, a par de Portugal, os mercados por excelência. Simultaneamente, e por questões relacionadas com as características do nosso Inverno, os países escandinavos encontravam aqui um destino muito acarinhado", lembra Eduardo Jesus, mesmo que lamente "a quebra do mercado inglês superior a 25% quando o mesmo continua a viajar a bom ritmo".Por ser a mais ajustada, "atendendo à escassez de meios financeiros, que nem um reforço significativo do actual orçamento conseguiria colmatar", André Barreto recomenda a opção pela tradição.A focalização máxima nos mercados prioritários é pormenorizada por João Welsh. No seu entender a aposta passa por "Reino Unido, Alemanha, Escandinávia e Portugal", embora sem descurar os mercados em expansão e com potencial, casos de "França, Espanha, Escandinávia, Holanda, Bélgica e Áustria".Paulo Prada, que retoma o princípio que "deve ser o Plano a definir" também este aspecto, entende ser "evidente que se deve dar primazia aos mercados Inglês, Alemão e Escandinavo e, numa segunda linha, Francês e Benelux".Quanto a outras opções, sobretudo no mercado Português e Espanhol, faz uma advertência: "Depende muito do 'timing' do Plano. Se fosse hoje, com 'outlook' tão negativo, não me parece que sejam mercados promissores a merecerem apostas elevadas. É apenas um palpite, que vale o que vale. Importante é o que o plano definir".Eduardo Jesus subscreve o reparo. "Verificamos que a grande aposta regional, anunciada pela tutela no início deste ano, no mercado nacional, resultou num falhanço monumental e que a sazonalidade na Madeira nunca foi tão forte como a que se vive actualmente", refere. Daí diagnosticar "que tudo mudou excepto a forma de actuação da Madeira".O economista adverte ainda para outros pressupostos se é que a Região quer antecipar as consequências das opções de promoção: "Antes de apostar em mercados é preciso assumir o nosso público-alvo para que não se gerem confusões e distorções na oferta. Depois, há que conhecer muito bem os mercados, saber o que procuram, aferir o que valorizam, como gostam de ser abordados, que capacidade financeira têm, quanto estão dispostos a pagar. É preciso fazer muito trabalho preparatório e nunca desistir. É preciso acompanhar a evolução dos mercados, dispor de dados, estudar as tendências. É preciso investigar, apostar no conhecimento".