Turismo à deriva gera alerta dos privados
Apesar de reclamado e necessário, a Madeira continua sem Plano Estratégico para o Turismo. A culpa é de quem tutela o sector e as consequências são inevitáveis. Daí que os privados accionem o alarme: ou a Região resolve urgentemente esta lacuna ou então perde de vez competitividade, consistência e valor.
Açores e Canárias já têm
Com menos tradição, o turismo nos Açores já tem Plano desde o ano passado. Tudo porque apesar da evolução positiva registada na última década, ainda sofre de falta de notoriedade, mas também necessita que os empresários privados adeqúem a oferta hoteleira aos produtos turísticos que a Região oferece.
Canárias, que também enfrenta uma crescente perda de competitividade, decidiu rever recentemente o seu modelo turístico e toda a estratégia promocional, lançando o Plano 2012-2016 para todas as ilhas, sustentado no sol e na praia.
Os diversos 'players' do sector na Madeira têm andado a reclamar nos últimos anos pela elaboração e implementação urgente deste instrumento estratégico. Os privados ficaram a falar sós, depois de negado pela tutela que entendia que o Plano de Ordenamento do Turismo o substituía. Até os partidos políticos falam com insistência na necessidade de suprir uma falta que muito tem condicionado o sector mais importante da economia regional.
O último sinal, apesar de vago, foi dado por Alberto João Jardim no congresso do PSD-M: "A promoção turística, num mundo tão competitivo e em que os nossos meios são escassos, encontra-se no pequeno leque das prioridades das prioridades". Um dia antes, a deputada social-democrata em São Bento, Cláudia Aguiar, tinha feito o reparo ao exigir "forte aposta na promoção, mas sobretudo na reinvenção e diversificação do produto". Para a parlamentar não basta ser "exemplo nacional de crescimento", ter prémios internacionais e ser reconhecido no exterior. Julga mesmo haver muito por fazer. "É acima de tudo fundamental delinear uma estratégia de futuro tendo em conta as exigências actuais. É importante olhar para o sector sobretudo quando este assume um papel fulcral na nossa economia e num momento em que é urgente reanimar a economia regional", lembra.Madeira não resisteO DIÁRIO lançou o desafio a várias personalidades para que abordassem este importante 'dossier'. André Barreto, António Trindade, Eduardo Jesus, João Welsh e Paulo Prada não faltaram à chamada. O director regional Turismo, Bruno Freitas, e o 'vice' da ACIF, José Cardoso, não responderam ao desafio, porventura comprometidos com um eventual processo em curso, mas ainda mantido em segredo. O Instituto Português do Turismo, que na sua página afirma ter em curso um Plano Estratégico para o Turismo da Madeira, ainda nada disse.
O ponto de partida é simples: a Madeira resiste sem um Plano Estratégico para o Turismo?
"Muito dificilmente", assume o presidente do Conselho Consultivo da AP Madeira, Paulo Prada. No seu entender, "não se deverá arriscar no 'esperar para ver' e continuar com acções erráticas, a navegar à vista, sem um fio condutor comum, ao fim e ao cabo, a dita estratégia".
O vice-presidente da Associação Portuguesa de Viagens e Turismo (APAVT), João Welsh, tem convicção semelhante: "Não, não resistirá, aliás a 'performance' e a evolução do destino nos últimos anos comprovam esse facto".
Ligeiramente mais optimista está o director-geral da Estalagem Quintinha de São João. André Barreto admite que, dependendo do que se entende por "resistência", a Região terá condições para resistir, embora com muito maiores dificuldades do que se o Plano existisse. Contudo, lamenta "que estejamos em fase de luta pela resistência ou subsistência, em vez de noutro estágio de desenvolvimento daquela que é a indústria com maior potencial na nossa Região".
Eduardo Jesus, presidente da delegação da Madeira da Ordem dos Economistas, entidade que organiza anualmente desde 2007 a Conferência Anual de Turismo, reclama desde então a resolução de um problema estrutural muito grave no destino Madeira: "Não existe qualquer correspondência entre a oferta e a procura que se consegue captar".
Este desequilíbrio, por não ser de agora, explica, por si só, duas coisas. "Que a ausência de um Plano Estratégico para o Turismo é determinante para o sucesso do destino e, simultaneamente, revela há quanto tempo essa consciência deveria ter sido assumida".
Neste propósito, refere que a Madeira, nas últimas três décadas do século passado, chegou a dispor de instrumentos desta natureza, alguns deles de valia internacionalmente reconhecida. Daí concluir "que não basta dispor dos planos, é preciso aplicá-los e, nessa matéria, somos um exemplo daquilo que não se deve fazer".
Para o administrador do grupo Porto Bay, António Trindade, "mais do que um plano, a Madeira precisa de uma visão estratégica", em que haja uma clara "assunção de procedimentos políticos", pois, caso contrário receia que a "terciarização" ilibe de responsabilidades quem as deve assumir em questões tão simples como "o que somos e o que queremos". Uma visão estratégica, mas com aplicações práticas e adequadas a cada momento, até porque entende que a definição da oferta está estagnada. Na sua opinião, nem vale a pena abordar mais nenhum aspecto se este não estiver salvaguardado.Consequências graves
Apesar de tudo importa perceber as consequências objectivas da ausência de Plano. João Welsh é peremptório: "a) falta de uma visão estratégica; b) decisões e opções erradas; c) falta de um posicionamento claro; d) perda constante de competitividade; e) perda de quota de mercado para os principais concorrentes; f) destruição dos pontos fortes do destino e maximização do protagonismo dos pontos fracos; g) a não existência de um rumo claro que galvanize e focalize todos os 'stakeholders' na mesma direcção; h) construção de conceitos de oferta dissonantes e tóxicos para a competitividade do destino; i) ausência de uma proposta de valor coerente e consistente".
Mas há mais. "Desde logo, alguma descoordenação, por não existir nenhum fio condutor que una os vários agentes. Depois, a total indefinição quanto ao que devemos fazer, quais os objectivos que queremos atingir e de que forma devemos alcançá-los", adverte André Barreto.
Por seu lado, Paulo Prada considera que sem plano falha tudo, com destaque para "a falta de uma estratégia clara para o que se quer para o destino Madeira, que permita adoptar acções concisas e consistentes no sentido de alcançar os objectivos definidos nesse Plano e fazer ajustamentos/adoptar planos de contingência, também previstos no Plano, quando haja afastamentos em relação a esses objectivos".
O desleixo é reprovado por Eduardo Jesus. Sobretudo por ser gerador de um "clima de não-compromisso, o que é uma ameaça terrível para o bem comum e que, aqui na Madeira, tem dado, infelizmente para todos nós, os seus frutos" (ver destaque na página ao lado).
Na próxima semana voltaremos a este 'dossier'. Feito o diagnóstico, traremos contributos dos mesmos protagonistas para um efectivo Plano Estratégico do turismo madeirense. Que tipo de destino deve ser a Madeira nos próximos anos? Que imagem e que marca deve a Região consolidar, para assim partilhá-la de forma consistente e única a operadores e clientes, aos mercados e aos meios de comunicação? Que acções de comunicação e 'marketing' devem sustentar o Plano? São algumas das questões colocadas.
Mas porque é que a Madeira não dispõe do instrumento estratégico que os privados tanto reclamam? Paulo Prada considera que a pergunta deve ser endereçada às autoridades regionais, a quem cabe "a opção, legítima e de direito, dos responsáveis pela condução da governação da nossa Região", acrescenta André Barreto. E foi, mas não obteve resposta. Resposta que também não foi dada a outros níveis "por opção política da respectiva tutela" enfatiza Eduardo Jesus, para quem é tão grave não dispor de reflexão estratégica como verificar que a conta satélite do turismo mais recente é referente a 2001. O economista recorda "tantas e tão boas as oportunidades colocadas à Região para dispor desse instrumento, algumas delas sem qualquer custo para a Madeira", sublinhando que "os contributos de muito boa qualidade, vêm do sector privado, de empresários, instituições ou mesmo de individuais. Paulo Prada confirma que "alguns grupos privados terão, inclusive, se oferecido para patrocinar a realização do dito plano".
João Welsh está convicto que a falha lesiva do destino deriva do medo que a disciplina e rigor dos 5 pês: "Proper, Planning, Prevents, Poor, Performance", iriam impor. Ou seja, "a gestão do turismo teria de abdicar do facilitismo das medidas imediatistas assentes em visões de curto prazo", refere.
Facilitismos que geram perdas. Eduardo Jesus lamenta o incompreensível desperdício face à incapacidade presente de inverter tendências. Julga que isto acontece "porque vivemos num país onde a responsabilidade nunca é atribuída aos decisores quando estes são do sector público".