Um caminho sem retorno
Efectivamente o Papa Francisco veio trazer uma nova aragem à Igreja Católica. Aragem que se está a tonar numa autêntica corrente de ar para os corredores mais obscuros e cínicos do Vaticano. O Sumo Pontífice está a personificar a esperança de milhões de pessoas pela verdade na denúncia dos casos de pedofilia por esse mundo fora. Crentes e não crentes têm os olhos postos em Bergoglio. O bispo de Roma está a abanar com os alicerces mais tenebrosos da cúria romana, cristalizados em vícios deploráveis, em grandezas sumptuosas que nada têm a ver com a mensagem de Cristo e com os valores propalados pela Igreja. As réplicas da revolução perpetrada pelo Papa têm chegado longe e provocado terramotos em dioceses onde existem sacerdotes e bispos abusadores de pessoas indefesas, pedófilos sem escrúpulos que, até agora, viviam na impunidade, entre o dever pastoral e o ‘pecado’ mais escabroso.
As consequências estão à vista de todos. Os tradicionalistas tentam ofuscar a acção de Francisco, mas este é um caminho que não vai nem pode regredir. A ‘Caixa de Pandora’ foi aberta.
E as palavras do Papa chegaram finalmente à Igreja na Madeira que, durante anos a fio, consentiu e abafou um conjunto de casos duvidosos, de eventuais abusos praticados por padres. Quem não se recorda das palavras de D. Teodoro Faria, na altura do julgamento de Frederico Cunha? O então bispo da Diocese do Funchal comparou o sacerdote brasileiro, ordenado por si próprio, a Jesus Cristo. A lei civil não se compadeceu e Frederico foi condenado a uma pena pesada de cadeia, tendo-se evadido poucos anos depois. Nunca ninguém ouviu de D. Teodoro um único reparo à conduta dúbia e reprovável do padre que, mais tarde, confessou a sua homossexualidade, numa entrevista concedida no Brasil, negando sempre a autoria da morte de um rapaz, no Caniçal.
Muitos outros casos foram falados, alguns padres foram, cirúrgica e silenciosamente, mudados de paróquia, enviados para ‘longe’ para acalmar a crescente vozearia sobre condutas inapropriadas. O método era o mesmo de sempre: o afastamento e a negação do problema. A Igreja protegia os seus.
Num volte face admirável a Diocese do Funchal, soubemos ontem após uma investigação do DIÁRIO, decidiu afastar da acção pastoral o padre Anastácio Alves, que há vários anos exercia funções em França, mas que é suspeito de abuso sexual de um menor na Madeira. A medida cautelar decidida pelo bispo D. António Carrilho representa uma importante viragem na abordagem da Igreja Católica madeirense, pois manifestando-se “em profunda comunhão com o Papa Francisco, repudia e condena a pedofilia e é solidária com as vítimas e com as suas famílias”.
Desta vez a cúpula assumiu uma posição frontal, respondendo abertamente às questões do jornalista Miguel Fernandes Luís.
Nenhuma instituição pode silenciar casos de pedofilia. A reforma da Igreja tem de começar pelo exemplo. O resto não importa.
P.S.: Uma questão política e apenas política é a relacionada com a taxa de juro que a Região paga ao Estado, por via do plano de assistência financeira. Como já aqui referimos, o Governo da República já deveria ter resolvido o diferendo com a Madeira, baixando a taxa cobrada, injustificadamente despropositada. Se não quer ficar associado ao plano da quezília partidária, com as eleições regionais em pano de fundo, António Costa tem de ordenar ao ministro das Finanças que faça o que se impõe.