As Mulheres na Arábia Saudita e os Camelos
“Soubemos agora que o cinema voltou à Arábia Saudita. Quatro novas salas foram inauguradas dando inicio a um novo período, supostamente de maior liberdade, num regime onde imperam as teorias religiosas fundamentalistas.
Mas, calma aí. Falamos de liberdade condicionada. Muito condicionada aliás. Não só porque os filmes serão previamente censurados mas, principalmente, porque a discriminação sexual permanece. De forma humilhante e revoltante. Já que nas novas salas onde vão ser exibidos os filmes, a plateia, à frente, com lugares sentados, destina-se aos homens, e a geral, atrás, com lugares de pé, às mulheres.
Só não sei onde estacionam os camelos mas, também, depois disto, já não vale a pena querer saber.”
Publicado na revista do DN, na rubrica “TRÊS PONTOS”, 2ª série, em 28/6/2009.
Entretanto o tempo passou e, finalmente, em 2015, as senhoras puderam exercer o voto e candidatar-se nas eleições autárquicas. Com um grande senão. Em campanha estão impedidas de se dirigir a gente de barba. A não ser que sejam parentes. Logo, passaram a ser politicas, mas sem voz. Amordaçadas. Só têm a possibilidade de convencer a família. E não podem contestar directamente os adversários se forem, como são, opositores masculinos. Que raio de prerrogativa é esta?
Por outro lado, em 2017, anunciaram, sob continuada forte pressão internacional, o direito às sauditas poderem conduzir. Só que a legislação permissiva não sai. Demora, tarda, não chega. Adiada, a sua implementação está anunciada para Junho de 2018. E como será? Obrigarão o público alvo feminino a guiar de burka mesmo que isso afecte a necessária visibilidade e destreza, fundamentais para a segurança rodoviária? Poderão circular à mesma velocidade que os homens? Sentam-se na parte de trás do carro? O que será que regulamentarão para que a faculdade se transforme em rebaixamento uma vez mais?
A novidade mais recente promete que as mulheres daquele território vão poder passar a frequentar três estádios de futebol. Só três. Mas, primeiro, os recintos referenciados precisam de obras e adaptações que permitam a ida e utilização por famílias. Imagino, devem estar a construir jaulas. Para separá-las do sexo oposto. E, com forte probabilidade, assistirão aos jogos de pé, enquanto os machos continuarão a fazê-lo, confortavelmente, na cadeira. E atrás deles. Elas sem direito a irem à casinha se for caso disso. E, quiçá até, serão proibidas de olhar para as pernas dos jogadores.
No mesmo país onde há uns anos, e deve prosseguir assim, o cinema voltou com as condições que no passado referi e transcrevo acima.
Em pleno século XXI. Haverá maior desigualdade de géneros?
A propósito lembrei-me de Portugal que, em 2015, era o ante-penúltimo entre todas as nações europeias no que concerne à igualdade entre homens e mulheres nos vários e múltiplos sectores. Classificação desonrosa. A merecer profunda reflexão. E atitudes. E a reboque da triste constatação veio a lembrança de um recente acórdão que, mesmo concedendo o beneficio da dúvida por alegada abusiva interpretação, a generalidade das pessoas não encontra explicação plausível que o suporte. Só encontro uma, irónica. Como a possibilidade de o seu autor ser saudita e estar a exercer a profissão entre nós, ou possa ter ascendência árabe como sugere o apelido ou, pura e simplesmente, raciocina como ainda se pensa naquele país do Médio Oriente. Mais coisa, menos coisa.
Enquanto escorregava a escrita caminhando para o seu final, recordei-me de uma noticia já antiga, que contava que um sheik, desta feita dos Emiratos, teria comprado um camelo por milhões de dólares!
Uma compra das arábias. Em tempo de crise.
Supostamente procurando garantir procriação de qualidade para as corridas de que são fervorosos adeptos.
Pena não termos camelos lusitanos para exportar, pensei. Mas, logo, logo, concluí não ser bem assim. Porque, vendo bem, ter, até que temos. Não são é de qualidade. Antes pelo contrário. Para azar nosso.