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Leitor devidamente identificado

A “vaca sagrada” chamada autonomia foi capturada e está refém de um número restrito de pessoas

É com uma indesejável frequência que nos deparamos com cartas do leitor, em que, depois do autor exprimir as suas opiniões, não as assume nem se responsabiliza por elas, preferindo manter-se no anonimato e assinar como “leitor devidamente identificado”.

Houve um tempo em que as pessoas não podiam exprimir livremente a sua opinião, a censura não deixava publicar e os autores eram perseguidos, sofrendo na pele por terem a coragem de emitir opiniões politicamente incorretas.

Vivemos há 40 anos em democracia, em liberdade de expressão, ninguém é preso por delito de opinião, cada qual é livre de exprimir o que pensa ou sente, devendo assumir simultaneamente a responsabilidade de tal facto. Na nossa terra, contudo, isso poderá acarretar consequências indesejáveis, pelo que alguns autores preferem ficar incógnitos. Nunca vi nada semelhante na demais imprensa que consumo.

A a’tonomia fez anos

Depois de 500 anos de inquisição, 50 de fascismo, com o 25 de abril, em vez de uma efetiva liberdade, nasceu um regime cozinhado pela igreja mais retrógrada e pelos restos dos poderosos do regime fascista. Este regime, o jardinismo, aproveitando o caldo de cultura resultante da inquisição e do salazarismo, manteve e aprofundou nas pessoas o medo atávico de assumir posições, de defender direitos, de lutar contra as injustiças. Não ser afeto e sobretudo, manifestar discordância com o regime de Jardim, pagava-se caro. Expressões como “o bezerrinho manso mama o seu e mama o alheio”, “é melhor não dizer nada, para não criar inimizades”, “pensas que consegues mudar o mundo”, são um bom exemplo do conformismo reinante e garantia de que o establishment se mantem e que os corruptos, os incompetentes e os mal preparados seguem impunes, sem serem incomodados. As pessoas habituaram-se a pedir por favor e considerar uma benesse aquilo a que efetivamente têm direito, porque descontaram ou porque são cidadãos, sem necessitarem de nenhum tipo de favor.

Graças a esta mentalidade a “vaca sagrada” chamada autonomia foi capturada e está refém de um número restrito de pessoas dos negócios e da política, que se perpetuam no tempo e nos lugares. Criou-se o conceito do “povo superior”, que tudo na Madeira é melhor do que no resto do país, que aqui e só aqui é que se fez obra.

Seria incorreto negar a “boa” obra feita, contudo, está para fazer o estudo do custo/benefício dessa mesma obra e até quando teremos de a pagar. Graças à autonomia e para manter o eleitorado contente assegurando não sei quantas vitórias, o circo do “pugresso” alimentado a milhões de euros, tinha de estar em movimento. Acabou o dinheiro, não faz mal, criam-se as sociedades de desenvolvimento para permitir mais endividamento, e esconde-se o real valor da dívida.

O concelho de Oeiras, com uma população semelhante à nossa e um PIB largas vezes superior, é governada por uma câmara. Por cá os autonomistas quiseram regionalizar tudo, em tudo quiseram mandar, para isso montaram uma insustentável máquina autonómica de mais de 20.000 funcionários. Será que estamos melhor com esta autonomia? O nosso poder de compra é maior? O nível de vida é melhor? E a nossa saúde como é?

Será que por sermos uma região autónoma os cidadãos madeirenses são mais autónomos em relação ao poder regional? Todo o dinheiro de impostos gerado na Madeira fica cá, mas ainda assim, andamos sempre a pedinchar, um cargueiro aqui, um hospital acolá. Os Açores também autónomos, fizeram 3 hospitais centrais sem necessitarem de pedir ajuda. Em contrapartida, não transformaram as ilhas num destino turístico de pé descalço, também não constroem mamarrachos no meio da encosta da capital.

Infelizmente, conceitos como competência, sustentabilidade, eficiência, eficácia, custo/benefício, boa gestão da coisa pública e transparência, entre outros, não fazem parte do nosso léxico autonómico.

Mais autonomia desta, não, obrigado. Não é pois de admirar, pelo contrário, explica, porque é que muitas pessoas receiam colocar o nome no que escrevem.