O feminismo arrelia certa gente
Segundo a carta de uma leitora assinada por Vera Vasconcelos, o feminismo da 1ª Vaga ( 1ª onda, segundo a própria), esse sim, foi importante, porque “conseguiram o direito ao voto, ao divórcio, à liberdade salarial...” Ora bem. A igualdade salarial, salário igual para trabalho igual, ainda não foi conseguida em Portugal nem no resto da Europa. Ainda é preciso lutar por esse direito. Quanto ao divórcio, em Portugal foi um direito dos casais na I República e ilegalizado pelo Estado Novo, pelo que foi necessário lutar por ele no pós 25 de Abril. A luta pelo direito ao voto das mulheres em finais do Séc XIX e princípios do Séc XX, foi uma luta longa e difícil. Na Inglaterra, foi formado o Movimento das Sufragistas, mulheres que foram maltratadas pelo poder político, espancadas pela polícia e muitas foram escorraçadas de casa pelos próprios maridos. Como se vê, nessa época também muita gente odiava as feministas que lutavam por direitos iguais aos que os homens já usufruiam.
Em Portugal, em 1911, Carolina Beatriz Ângelo bateu-se e conseguiu o direito de votar com base na lei republicana, que dava direito ao voto aos chefes de família. Sendo ela viúva, era chefe de família e enfrentou o poder republicano, exigindo o direito de votar. Morreu pouco tempo depois, talvez por estar esgotada das suas forças por causa da luta que sustentou e lhe deu a vitória. Como a lei foi alterada e só podiam votar os chefes de família homens, só muito mais tarde algumas mulheres com cargos públicos e ensino secundário vieram a votar na época do Estado Novo.
Com a primavera marcelista puderam votar mulheres e homens que soubessem ler e escrever e se inscrevessem nos cadernos eleitorais. O direito ao voto universal, para homens e mulheres, só foi conseguido após o 25 de Abril de 74, dia em que se acendeu a luz da liberdade.
A autora da dita carta passou da 1ª vaga feminista para a 3ª vaga, saltando a 2ª vaga, dos anos 60, que pouco se sentiu em Portugal, devido ao regime político em que se vivia. As feministas da 2ª vaga lutaram pelo direito ao corpo, pela contracepção e o aborto, entre outros direitos. O direito ao aborto em Portugal foi muito difícil de conquistar, mas veio melhorar a interrupção da gravidez e diminuir o número de interrupções existentes, devido a um melhor esclarecimento às mulheres para evitarem gravidezes indesejadas.
No entanto, precisamos conquistar muitos outros direitos e, sobretudo, combater a violência de género, os femicídios, a violência no namoro, entre outros males existentes na nossa sociedade. Em 2014, uma jovem de 20 anos contou-me que o seu noivado tinha acabado abruptamente, porque o ex-noivo se achava dono dela e queria controlar todos os seus passos. Como ela foi à festa da freguesia sem autorização dele, o noivado acabou e o dito ex-noivo ainda lhe disse, com toda a crueldade: Com essa doença crónica que tu tens, qual é o homem que te vai querer?”
No ano de 2017, foram assassinadas na Madeira 9 mulheres. O machismo está enraizado na sociedade e tem de haver um grande movimento feminista que derrube muros, para que todas as mulheres ganhem o direito à igualdade perante a lei. Nós sabemos que as mulheres não são iguais aos homens, nem queremos ser, mas merecemos as mesmas oportunidades perante a lei. A senhora Vera Vasconcelos (se é esse o seu nome) assinala que há mulheres que ganham muito, como as modelos, entre outras. Já agora, poderia também salientar os ordenados milionários de altos quadros bancários, de grandes empresas como a TAP e EDP e muitos outros, alguns até desconhecidos.
Outro aspecto, entre muitos outros, é o facto de as jovens universitárias terem vindo a obter melhores resultados nos cursos que os colegas rapazes, sem que as boas classificações alcançadas as levem ao topo das empresas ou a altos cargos da função pública e governamental, onde geralmente são homens que ocupam esses lugares.
E qual a situação das mulheres africanas, sul-americanas e asiáticas?
Como se pode ver, o feminismo deve existir e todas as que se identificam com a dignificação do papel das mulheres na família e na sociedade não devem ter vergonha de se afirmarem de feministas.
Conceição Pereira